Embora o sentido original da palavra “trabalho” tenha perdido importância para designar o que o representa hoje na humanidade, ainda é possível fazer uma correlação com o sofrimento. Assim, é imprescindível lançar holofotes sobre um aspecto incivilizado muitas vezes presente na prestação laboral, qual seja, o desrespeito a valores humanos mínimos dos trabalhadores, que precisam ser urgentemente recuperados pela justiça social no ambiente laboral. O trabalho, que se originou da palavra latina tripalium, que designa “uma armação de três estacas utilizadas nas fazendas para ajudar nos partos e na ferragem dos animais, que, no início da Idade Média, porquanto vinculada ao sofrimento e à dor, é percebida como um instrumento de suplício” (Fragale Filho, 2006, p. 829), haverá um dia de ser entendido como elemento dignificante do homem, pois o completa.
Na contramão do que seria ideal, tem-se que, senão a principal, certamente uma das mais importantes características da Contemporaneidade é o desemprego. Sua importância para o pensamento é de tal monta que traz conseqüências centrais para os mais variados ramos do saber, tais como o Direito, a Sociologia, a Filosofia, a Economia, a Psicologia, entre outros. Isso se dá porque é possível concluir, como se disse, que o trabalho, analisado com alguma pormenorização, é elemento constitutivo da própria personalidade humana, sendo, pois, indissociável do caráter do homem. Assim, àquele que se vê em situação de desemprego, resta muitas vezes a sensação de diminuição não apenas contingencial, momentânea, mas como pessoa, o que lhe dá a terrível sensação de permanente inferioridade diante dos outros e da vida.
Interessante é notar que mesmo em situação de relativo crescimento econômico, vêem-se graus relativamente altos e, portanto, bastante preocupantes de desemprego. A chamada epidemia do crescimento sem empregos (jobless growth), como com propriedade argumenta Sachs (2004, p. 25), é decorrente de uma correlação de variáveis, tais como a substituição da máquina pelo homem nas indústrias, a inexistência de uma política de bons salários; e, por fim, a terrível prática do dumping social, que no campo prático é verificado pelo “deslocamento das produções intensivas de mão-de-obra para plataformas de exportação situadas em países periféricos que se satisfazem com a competitividade espúria, (…) por meio de salários excessivamente baixos, longas jornadas de trabalho e ausência de proteção social” (Sachs, 2004, p. 25). Não há de se esquecer que, neste ambiente de crescimento desordenado, o labor se desenvolve em formas atípicas de trabalho (Carelli, 2004), as quais, caso não sigam os estritos mandamentos legais, hão muito provavelmente de ser formas precarizadoras da força laboral.
O referido dumping social, amplamente combatido pela Justiça Laboral assim como pelo Ministério Público do Trabalho, tem dupla implicação para países como o Brasil. Se, de um lado, cidadãos brasileiros perdem postos trabalho porque multinacionais optam por estados sem responsabilidade social para implementar sua mão-de-obra; do outro, a indústria brasileira sofre a concorrência desleal dessas mercadorias, que chegam ao consumidor com preços impraticáveis pelo empresário brasileiro, que idealmente há de arcar com suas obrigações tributárias e sociais. Além disso, tal prática é incompatível com um Estado democrático, não apenas por ferir de morte a cidadania social, mas também pelo flagrante desrespeito aos direitos humanos.
Assim, conclui-se que há de urgentemente se incrementar a idéia de que o estabelecimento da democracia constitucional no Brasil, mormente por meio do fomento no plano fático da justiça social, trará conseqüências importantíssimas tanto para o âmbito coletivo quanto para o individual de cada trabalhador e, por conseqüência, para a própria sociedade. Somente assim, poder-se-á vislumbrar entre os seres humanos o que minimamente poderia ser chamado de humanidade social, situação em que o desemprego e o trabalho indigno seriam verdadeiramente vistos com a revolta e a repulsa de que são merecedores.
(*) Tassos Lycurgo é Professor Adjunto da UFRN e Advogado (OAB/RN); É Doutor em Estudos Educacionais – Lógica (UFRN), com pós-doutorado em Sociologia Jurídica (UFPB); Mestre em Filosofia Analítica (University of Sussex, Reino Unido); Graduado em Direito (URCA) e em Filosofia (UFRN). Atualmente, leciona as disciplinas Direito Processual do Trabalho e Elementos de Direito Autoral e Legislação Social na UFRN. Página Acadêmica: www.lycurgo.org
Obs: As referências bibliográficas se encontram na versão completa do artigo, disponível no site do autor.
Data de elaboração: Maio de 2008