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Numa época, em que as horas não corriam tanto, andavam na velocidade das rodas largas de um carro de boi, tangido pelo carreiro, que ponteava, dizendo: ê boi, ê boi, sob o suave barulho das argolas da vara do ferrão.Os bois, desamuados, amansados, capados e de arrasto forte, carreavam no campo ao som da voz do carreiro. O tempo era usado para admirar a rusticidade bela do carro de boi, que encurtava distâncias e carregava o progresso. O carreiro controlava o tempo, sempre o tempo, o cansaço dos seus bois. E lá ia o carro de boi, deixando rasgos profundos na terra vermelha de barro, sonhos, ferro, madeira e vidas.

Escutei gente dizendo da saudade que sente da toada que saia do carro de boi. Ele vinha gemendo, levando sua carga no lastro de madeira, cortando os estradões poeirentos desse sertão embrutecido e seco.

Longe, o trovão ronca forte, como a concordar com minhas lembranças. Um raio risca do horizonte atraído pela madeira desse carro gemedor puxado por bois presos na canga de quatro canzis, de couro cru. A brocha, de couro torcido, tem palmo e meio de comprimento, amarra os canzis lisos, por baixo do pescoço dos bois, além de ajudar a segurá-los, evitando que a canga solte do cangote dos animais e os machuque.

Bramindo em movimento o carro de boi leva no seu eixo a madeira de angico, que centra na mesa e no cabeçalho o coração do carro, onde se atam os bois, a sua força a fazer a chumadeira e firma os dois cocãos, o que faz o eixo girar. A mesa é feita de duas chedas que saem uma de cada lado, ligadas no cabeçalho, apoiando o assoalho, feito de qualquer madeira, menos angico ou aroeira, pois tem que ser mais maleável. Atrás fica o recavém ou o rebaixo.

Ouço o carro de boi cantar sob os pingos de óleo queimado, que alisa e adoça as engrenagens das queimaduras. A baraúna foi utilizada para fazer o meião, rodas e o cocão, o que o deixa indestrutível. Para tornar seu canto mais lindo e ouvido a léguas de distâncias foi usado óleo de mamona, carregado numa azeiteira, de chifre de boi, amarrado com correia num fueiro.

Um amigo contou-me que fez muitos carros de bois, nos moldes de antigamente, com rodas de madeira forte, aro de ferro, que para ser calçado era forjado na bigorna a malho, na forma redonda, em brasa viva, colocado em cima da roda, onde se ajusta sob os golpes fortes, aderindo a forma definitiva da roda, que é resfriado com água. Os buracos no meio da roda, ele disse chama-se oca. Até a escora de madeira ele fazia, para apoiar o carro quando parava, sendo para duas funções, uma aliviar o peso no pescoço dos bois, a outra para segurar o cabelhaço na horizontal, quando sem os bois.

E assim, ele vinha nas estradas barrentas, andando léguas e mais léguas, de subidas e sonhos, piando de precisão, arrastando-se pelos corredores de avelós e pedras, numa terra perdida, amarfanhada das folhas secas de baraúnas, angicos e aroeiras, extintos pela mão do homem que não respeita o coração de quem se lembra do chiado das rodas e dos cocões rangedores de um carro de boi, que carreava por estas bandas, num ontem que se foi na velocidade do carro de boi.