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Os afro-descendentes que conseguiram ficar famosos e integrar o cenário nacional,desde o século XIX,obtiveram seu lugar ao sol a duras penas.Na verdade, não foi fácil ser um negro ilustre, no passado, como hoje as barreiras ainda são fortes, pois os afro trazem um substrato sócio-cultural que continua muito presente na história brasileira.

A libertação dos escravos foi um ato jurídico, legal, mas isso não implicou numa política explícita voltada para os ex-escravos, que garantisse o acesso à escola,que facilitasse o trabalho, que pudesse obter uma moradia . Para onde ir, o que fazer, do que viver após a “libertação”? A história de muitas casas religiosas no Brasil ( pois elas também tinham muitos escravos) registra que foram muitos os ex-escravos que continuaram morando nas senzalas dos conventos, pois não tinham para onde ir.

Dado a condição de miséria, de indigência mesmo a que foram relegados os ex-escravos, recaiu inevitavelmente sobre eles, entre muitas outras exclusões, o ônus da exclusão escolar de forma explícita.

Sabemos que o acesso ao voto esteve, do final do século XIX até 1986, condicionado ao saber ler e escrever; isso implicava em alfabetização, em escolaridade, o que não havia nem para os escravos e tão pouco para os ex-escravos. Ora, neste caso, alfabetização é sinônimo de capacidade e condição de discernimento.Desse modo, grande parte da população brasileira, por não saber ler e nem escrever , consequentemente, não tinha condições de escolher, de participar do processo de formação democrática do próprio país.

Esta condição “sine qua non” ( de saber ler), associada ao voto, significou a exclusão dos negros e analfabetos . Nem sempre a concessão da liberdade significa a possibilidade de igualdade – foi o que a Abolição não trouxe para os nossos negros.

O Encontro de Parlamentares Negros na Bahia, mostrou que a nossa democracia racial está hoje desmascarada. Os dados fornecidos, atualmente, pelo IBGE e pelo IPEA apontam sempre “ os afro-descendentes como aqueles que possuem os piores indicadores econômicos, sociais, de escolaridade e de expectativa de vida”, na palavra do deputado federal Gilmar Machado (PT de Minas Gerais).

Roger Bastide critica a imagem idílica de alguns viajantes estrangeiros sobre os escravos, mostrando que não podemos nos fiar nelas pois os mesmos viajantes que mostram a brandura e a bondade dos senhores, citam também o alto índice de suicídios nos mesmos engenhos dos senhores considerados”bons”. Diz John Thrubell,um desses viajantes:” Os escravos no Brasil são tratados quase como filhos da família e há o maior cuidado em batizá-los, ao menos em instruí-los nos elementos da fé cristã. Poder-se-ia propor a questão: os escravos ganham ou não, infinitamente mais com a troca da bárbara liberdade por essas vantagens da instrução e proteção seguras ?”. No século XIX, Riberoles, outro viajante, confirmando a opinião de Bastide diz :”Eles não os evangelizam e sim, levam-nos ao trabalho. Batizam os negros e os casam, mas não os instruem”. O próprio Gilberto Freyre também afirma:” Sem pretender considerar aqui o grau de cristianização atingido pela massa escrava (…) alguns se tornaram tão bons cristãos quanto os senhores. Eram capazes de transmitir às crianças brancas um catecismo tão puro quanto o que recebiam das próprias mães”.

A própria mídia , que tem abordado tanto o tema da negritude, mas, às vezes, o faz de forma lateral, como uma curiosidade, explorando o lado exótico, – às vezes dá a impressão de ser uma justificativa como se fosse para não deixar de falar e incluir o negro nos seus temas. Há uma crítica muito pertinente à presença dos negros na mídia, de um modo geral e em especial nas novelas de TV, que sempre os coloca em papéis secundários, estereotipados, como um acessório de um enredo, no qual o fulcro da questão é sempre a família branca – parece constantemente, diz o professor Ubiratan de Castro, que o negro, nesses momentos, ocupa sempre “ o lugar do tipo pobre, malandro, empregado”.

Demorou muito para o mercado consumista acordar para a fatia negra, revelando uma incapacidade de inovação dos padrões estéticos dominantes, e uma falta de coragem de assumir o risco do novo. Olhando pelo ângulo de um mero consumismo horizontalista, o negro representa um potencial de aquisição imenso. O Movimento Negro Unificado, apresentou em 1980, um cartaz que dizia:” Atenção, senhores. publicitários: negro usa desodorante, pasta dental, calça, sabonete, maquiagem e até carro”.

Outro dia, numa aula de Antropologia, um aluno meu disse-me que seus pais o instruíram desde a infância para que pudesse reagir às discriminações dos colegas na escola e assim foi incutido nele o orgulho e amor à sua raça. E, de fato, o negro, especialmente a mulher negra, todos entendem que no tipo de sociedade em que vivemos, tudo se torna mais difícil quando não há essa preparação para enfrentar os momentos mais constrangedores. E a maioria dos negros que estuda no ensino médio ( Adorno fala no “perigo “ que representa o processo libertador da educação) compreende que para se impor no mercado social tem que mostrar que é tão inteligente quanto ( e até melhor), que é estudioso, que é responsável, que luta , que consegue, que tem criatividade e produtividade etc.

A jornalista Wanda Chasse uma vez disse que quando uma garotinha lhe pede um autógrafo, ela, além da assinatura, escreve:” Você é negra como eu – estude para mudar o Brasil”. E ela, com toda propriedade, acredita que isso vai modificando o sentimento de inferioridade que a sociedade sempre quis incutir no negro : “ Durante muitos anos incutiram que éramos feios,burros, incapazes e a gente acreditou nisso durante muitos tempo”.

Sebastião Heber Professor Adjunto de Antropologia da UNEB, da Faculdade 2 de Julho, membro do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia e da Academia Mater Salvatoris.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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