Quem pode dizer que está inocente do que acontece a sua volta? Não me atrevo. Nem mesmo posso ter certeza do grau de participação que me cabe em cada acontecimento. Mas que cada um joga seu dadinho nessa grande roleta que é a vida, isso joga sim. Nem me venham dizer que fui a única culpada de tudo que aconteceu a mim ou aos mais próximos, mas é mais que provável que, mesmo sem ter consciência disso, eu tenha atrapalhado a vida de alguém ou dado um empurrãozinho em quem já estava com o pé do lado de fora da janela.
É estranho olhar a vida por esse prisma. É como olhar o mundo através desses cristais facetados, em que as imagens se repetem e multiplicam em ângulos diferentes, cores alteradas, e deixam quem olha fascinado com a diversidade de formas, querendo dar conta de todas elas. É como ver de perto as imagens de Vic Muniz, composições de milhares de imagens mínimas que se perdem na visão de conjunto de cada quadro.
Mas, assim como cada um de meus semelhantes, eu sou um mosaico. Minhas escolhas envolvem fatores e condições que não estavam previstas ou não poderiam ser bem avaliadas antes de se tornarem uma contingência ao vivo.
Quantas vezes quis alguma coisa que deu em outra, errada ou não. Quantas outras vezes acertei em cheio sem querer muito, tateando um pouco no escuro, indecisa quanto ao lado a seguir. Amei alguém que poderia ter sido tudo, e encontrei outro que efetivamente foi tudo. Detestei pessoas que hoje seriam indiferentes e não tiveram qualquer peso em minha vida. Amei gente que não merecia, sofri por causas que não eram minhas, falei mal de pessoas que não eram más, prestei homenagem a quem não valia a pena.
Mas como o que se faz da vida não pode ser o que a vida faz da gente, insisto em ser sujeito de minhas decisões e seguir os rumos que prefiro. Tento amar muito, não sei se sou capaz de querer tanto bem quanto imagino. Tento me realizar no trabalho, mas ainda não encontrei os instrumentos certos – e pior, talvez nas cavernas onde ainda não consegui jogar luz, não queira encontrar. É preciso lidar com as próprias resistências e a idealização, ninguém vive sem elas. Então, se eu disser que sou cem por cento alguma coisa, estarei na certa mentindo. É preciso também entender que não cabe sentir-se culpado(a) por essa realidade – ela existe, e pronto. Mas se quiser aparecer com cara de anjo, vou motivar as pessoas a procurar meus cascos de coisa ruim. É da mais legítima sabedoria popular: ninguém acredita em autoelogio. O povo sabe das coisas.
Obs: Imagem enviada pela autora (Foto Robert Mapplethorpe.)