dezembro 2009
7. Outra sabedoria é a idéia de metamorfose. Por ela, a amora não termina como comida do bicho-da-seda. A planta se prolonga como seda, roupa… conforto, festa… Essa idéia ajuda a entender que o fim da larva não é a lagarta, e que a lagarta não acaba na beleza das borboletas… Assim é a vida e a morte – morrer e viver formam um labirinto de portas e existem porque se atraem e se repelem e vice-versa.
8. Francisco de Assis, mesmo influenciado pela visão pietista da idade média, conseguiu vislumbrar a irmã-morte como um trânsito para a vida. O funeral de um frade era um dia de festa. Mas, quem não sabe chora, sente falta… Porque vê a morte como mistério, um mistério como armadura para proteger a vida. O medo toma todos os cuidados porque não sabe que a prudência apenas adia o inevitável.
9. No jogo da vida, como no jogo do gato e rato, a vida é sempre o rato. Porque a morte é fatal como prolongamento necessário da vida. A vida é um por enquanto que tem um umbral, que abre espaços para outros por enquanto que peregrinam neste vale. Os mortos continuam vivos nos vivos; os vivos, por sua vez, têm suas raízes plantadas e alimentadas nos que já passaram.
10. Certa espiritualidade prega o bem viver no após a morte e por isso aplica seu direito ao prazer em uma poupança para a outra vida. Já a filosofia hedonista estimula a satisfação máxima no carpe diem (aproveita esse dia) porque depois só há a escuridão. Uma se esquece de viver aqui e agora e a outra não marca a vida que é a única forma de continuar vivo na recordação dos vivos.
11. Então, o passado, passado está? Os entes queridos que morreram, morreram? Quando alguém suplica fale mal, mas fale de mim é um sinal de que a própria consciência histórica insiste em que os vivos nunca deveriam ser separados dos que já tiveram o seu passamento. Senão, não só os mortos ficariam para sempre mortos, como também os vivos só pela metade sua vida viveriam.
Obs: (Anotações depois de ter lido “As intermitências da morte” de J. Saramago)