Frei Betto 7 de junho de 2010

 

Nessa cultura machista que nos assola, quase não se destacam as figuras heróicas de mulheres envolvidas com a Conjuração Mineira liderada por Tiradentes. Mulheres que assumiram a coragem de apoiar os homens que amavam, comprometidos com a principal conspiração de nossa história: a que pretendeu libertar o Brasil do domínio português.

Mulheres que padeceram a dor de ver seus companheiros presos, torturados, degredados, os bens sequestrados, a infâmia proclamada sobre sucessivas gerações, sem a esperança de, no futuro, voltar a abraçá-los. Só uma delas o conseguiu.

Tomás Antônio Gonzaga, quarentão, apaixonou-se por Maria Doroteia Joaquina de Seixas, 23 anos mais nova do que ele. Eternizada sob o pseudônimo poético de “Marília de Dirceu”, os poemas apaixonados teriam sido escritos antes de o autor enamorar-se dela. Segundo Tarquínio J. B. De Oliveira, a verdadeira “Marília” é Maria Joaquina Anselma de Figueiredo, viúva enricada, amante de Luís da Cunha Menezes.

Os atritos de alcova entre o governador e o ex-ouvidor de Vila Rica teriam dado ensejo a que este redigisse, sob autoria anônima, as “Cartas Chilenas”, nas quais desprestigia Menezes, tratado pela alcunha de “Fanfarrão Minésio”.

Gonzaga, promovido para a Bahia, valeu-se do noivado com Maria Doroteia para prolongar sua permanência em Vila Rica e, assim, encobrir sua militância na conjuração. A delação de Silvério dos Reis os impediu de casar. O poeta, degredado para Moçambique, ali constituiu família. Maria Dorotéia faleceu em Minas aos 85 anos.

Bárbara Heliodora, mulher de Alvarenga Peixoto, teria evitado que o marido, uma vez preso, passasse de conspirador a delator. Ao ser decretado o sequestro de todos os bens dos conjurados, ela conseguiu provar ser casada em separação de bens e, assim, manter a posse do que lhe pertencia.

Nos meus tempos de grupo escolar, os alunos recitavam emocionados o poema que Peixoto, encarcerado no Rio, lhe dedicara: “Bárbara bela / Do Norte estrela / Que o meu destino / Sabes guiar, / De ti ausente / Triste somente / As horas passo / A suspirar. / Por entre as penhas / De incultas brenhas / Cansa-me a vista / De te buscar. (…)”

O romantismo criou o mito de que Bárbara Heliodora teria enlouquecido ao ver o marido condenado ao degredo na África. As fontes históricas atestam que soube gerir o seu patrimônio e educar os filhos José, João e Tristão, internados no colégio de Itaverava.

Outra mulher que merece destaque é Inácia Gertrudes, a quem Tiradentes recorreu, no Rio, à notícia de que o vice-rei o perseguia. Viúva de Francisco da Silva Braga, porteiro da Casa da Moeda, vivia com sua filha única, de 29 anos, a quem Tiradentes curara de uma chaga cancerosa.

Para evitar maledicências por abrigar o líder conjurado em casa de uma viúva e uma moça solteira, convocou seu sobrinho, padre Inácio Nogueira de Lima, e encarregou-o de procurar seu compadre, o ourives Domingos Fernandes da Cruz, que homiziou Tiradentes. Ali o prenderam.

Quitéria Rita era filha de Chica da Silva com o contratador de diamantes João Fernandes de Oliveira. Chica havia nascido escrava na fazenda do pai de padre Rolim; era, portanto, sua irmã de criação. O padre e Quitéria amasiaram-se, embora não vivessem sob o mesmo teto. Antes de ser preso, Rolim cuidou de internar Quitéria e as filhas no Recolhimento de Macaúbas (ativo até hoje).

Rolim passou 13 anos encarcerado em Portugal. Em 1805, aos 58 anos, retornou ao Brasil e bateu à porta do Recolhimento, onde resgatou Quitéria e os filhos, instalando-se em Diamantina. Como fiel Penélope, ela jamais perdeu a esperança de rever o amado.

Hipólita Teixeira, rica e culta, casou-se com o coronel Francisco Antonio de Oliveira Lopes. Preso o marido, e degredado para a África, teve ela todos os bens sequestrados. Foi ela quem contra-atacou, em carta ao Visconde Barbacena, governador de Minas, a delação de Joaquim Silvério dos Reis. E também redigiu e espalhou os avisos sigilosos dando notícias aos conjurados de que Tiradentes havia sido preso no Rio, a 10 de maio de 1789.

História é substantivo feminino. Contudo, nela as mulheres costumam figurar como mera adjetivação de heróis masculinos. É hora de voltarmos aos tempos em que os hebreus ressaltavam a atuação destemida de mulheres, a ponto de a Bíblia incluir três livros com seus nomes: Rute, Judite e Ester. Sem contar a erótica do “Cântico dos Cânticos” e a gloriosa mãe dos sete irmãos mártires descrita no Segundo Livro dos Macabeus.

Qualquer pessoa minimamente catequizada talvez saiba citar os nomes dos 12 apóstolos de Jesus. Mas quem se lembra de que, de seu grupo de discípulos, participavam também mulheres cujos nomes estão registrados no evangelho de Lucas (8, 1): Maria Madalena, Joana, Susana “e várias outras”?

Frei Betto é escritor, autor do romance “Um homem chamado Jesus” (Rocco), entre outros livros. http://www.freibetto.org

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