Djanira Silva 8 de junho de 2010

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O mundo se perdera lá fora entre muralhas silenciosas e homens vigilantes. Tudo morrera no azul ermo das nuvens suspensas ameaçando a vida. O mundo estava perdido lá, eu o sabia. Mulheres fantasmas, com vestidos de seda, decotes que mal lhes cobriam os seios nervosos. No olhar de jovens crentes, sorrisos se perdiam nos suspiros reprimidos. De um canto do mundo eu olhava os outros. Em cada um deles eu me perdia nas buscas. Nada encontrava porque o som de muitos instrumentos tornavam confusas as imagens apressadas que tentavam explicar o mundo. Diziam alguma coisa. Eu não queria saber. Tinha medo da verdade. O que poderia me dizer um mundo perdido? A mentira, ou nada? Deste eu já sabia. Daquela, também.
Das paredes erguidas de um chão sem prumo, surgiam sombras vermelhas penduradas nos espaços que se faziam nuvens. O cavaleiro montado no cavalo – dragão, prendia os olhos no corpo da menina que flutuava na mancha verde que sangrava a seus pés. Sobre a mesa o homem depositara o alimento. Precisava viver, mas do seu canto de mundo, acuado e medroso, escondido de si mesmo, tentava sufocar o silêncio.
Os laços de fita que prendiam os cabelos da menina não impediram que suas tranças se desfizessem em reflexos dourados desafiando o sol, nas mãos do homem silencioso.
Passado, futuro, presente, o homem, a eternidade no esvoaçar de pássaros assustados no caminhar de nuvens leves e soltas, vermelhas, azuis, como os olhos da menina que explodiam a vida.
No quadrado vermelho do céu a mulher tomou forma. Nuvens passavam. Uma réstia de luz acesa na escuridão, cobria seu rosto. Seios nus, sombras gêmeas, misteriosas se esgueiravam para dentro dos olhos do homem. Crianças apagaram algumas estrelas, riram das roupas andrajosas que cobriam os corpos mendigos envergonhados das almas perdidas, vagantes, sem destino.
O homem tentou ser livre. A mulher prisioneira do seu ventre. A menina virgem ainda, branca, pura e só.
O silêncio transformado em coisa. O silêncio da pedra sedimentada nas encostas e nas serras. A pedra que jamais será nuvem, nem brisa, nem mar. Então, eu me fiz silêncio. Passei pela sombra das rosas, pela altura dos eucaliptos, pelas margens dos rios, na incerteza dos ventos. Ali, eu era alma, uma alma sozinha porque elas não se juntam nem se encontram. Despi meu corpo ao longo da estrada esperando o tempo. Ele não veio. O corpo também, era silêncio e as marcas de luz, de sol, de imagens haviam passado por ele. Estava ferido. Sulcos leves, doloridos marcaram de dor seu silêncio.
A alma andava longe. Então, eu era ali, a flor despetalada, a luz difusa, o camaleão se fazendo folha, o animal medroso escondido na mata. Eu era assim, um floco de algodão esvoaçante, leve tremendo entre o sopro quente dos ventos e a brisa fria da noite. Eu era assim, um lugar perdido numa noite erma. Ninguém sofrera por mim. Eu era assim, solitária, u ma dor solitária.
Poderosos, enormes raios compridos, quentes, amordaçavam o vento, escondiam as estrelas. As sombras cantavam aleluia.
Eu era ali, a mão vigorosa segurando as ondas, desvairando as marés. E assim eu era, forte, fraco, grande, pequeno, silencioso, sonoro, mudo, eloqüente. Eu era assim o pólen fecundante, o útero do mundo, aberto em crateras vomitado fogo, incendiando o mundo. Eu era assim, voando pelos ares, rastejando no deserto, brotando entre pedras, caminhando sobre brasas, eu era assim. O então, o depois, o era, o foi. Anterior a Davi, a Abraão, a Moisés. Já conhecia Judas, traçara o seu destino. Perdoara a adúltera, consolara Pedro. Eu era assim presente, nas parreiras de Noé, nas Bodas de Caná, no Sermão da Montanha. Fui a água, o vinho, a mistura de vinagre e fel. Era assim, perfeito e imperfeito, grande, pequeno, finito e infinito. A pedra fendida, o vulcão extinto, o mar revolto, o rio murmurante. Eu era assim, presente na arca, na estátua de sal, nas dores de Jó. Nas chagas de Lázaro, nas dores de Maria, na mansidão de José, no arrependimento de Madalena.
Com um só olhar eu acendi o mundo. Fechando os olhos o apaguei.
Eu era assim e assim me cansei. No sétimo dia descansei e o homem nascido do meu cansaço foi condenado à morte.

Obs: Texto retirado do livro da autora – O Olho do Girassol –

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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