A Copa do Mundo de 1958 é a primeira que ocupa pequeno espaço da minha memória, a começar por bombas soltadas em Aracaju, onde me encontrava, e a explicação de que o Brasil tinha feito um gol no País de Gales, que eu troquei, por muito tempo, por galos. Dias depois, ainda em Aracaju, mais bombas. O Brasil passara pela França. Finalmente, o último jogo, com a Suécia, eu já em Itabaiana, e mais bombas, talvez foguetes, pipocando no centro, provavelmente na Praça da Matriz, o Brasil campeão. É o que me ficou guardado, imagens longínquas e esparsas, sem prosseguimento, o meu desinteresse de oito anos sem o cuidado de manter intactos maiores detalhes.

Para sedimentar a conquista do título de 1958 foi preciso incorporar a minha história a presença de Fefi e de Romeu. Não fossem os dois, a Copa passaria quase em branco, porque, naturalmente, o pouco que vi teria, fatalmente, se perdido. Assim, proclamo que Fefi e Romeu me ajudaram a fixar na mente a Copa aludida, cada um com sua atuação específica.

Antes que me perguntem, esclareço que Fefi é Francisco Tavares da Costa, comerciante, o mais irrequieto, do meu tempo de menino, na praça de Itabaiana. Proprietário do Armarinho Tem-Tem, era dele a iniciativa de colocar um Papai Noel no final do ano, nas ruas, na carroceria de um caminhão, no final da tarde. A meninada ia cedo a porta de seu armarinho esperar o Papai Noel para ganhar, se tivesse sorte, uma bala. O Papai Noel, geralmente Zé Gorducho, bem fantasiado, demorava a aparecer. Mas a gente ficava firme, na espera, pacientemente.

De Fefi também o bloco Lobos do Mar, que dava uma tonalidade especial ao micareme [assim era denominado] de Itabaiana, a cidade dividida entre os Lobos do Mar e o Margem da Serra, a Praça da Matriz – porque tudo só acontecia na Praça da Matriz – superlotada, todos enfileirados para ver o desfile dos dois blocos, além, às vezes, do de João Rocha, que apesar dos bons passantes, era a terceira força que não fazia a rivalidade entre os outros dois se dispersar. E de Fefi, também filósofo, a sábia frase, já divulgada nas enciclopédias britânicas, a esbaldar que a diferença de Itabaiana para Aracaju é que Aracaju tem mais casas e soldado de polícia.

Se fosse possível tirar Fefi de circulação, naqueles tempos, minha infância perderia o mais arrojado herói extra ambiente interno de casa.

E o que fez Fefi na Copa de 1958? Ora, simples. Fefi colocou sua animação na Praça da Matriz, em um improvisado carnaval, umas doze pessoas ao seu lado, na folia que se seguiu à vitória do Brasil. Não se usava ainda o carro tocando a buzina, prática de tempos mais recentes. A comemoração foi na perna, no carnaval improvisado, algum tambor, garrafas de bebida na mão, em redor da praça, a euforia de uns poucos sob o comando de Fefi, que, ao que parece, usava o chapéu do Lobos do Mar.

Mas, hão de observar que foi pouco para ficar preso a minha memória, sobretudo porque eu não vi a comemoração. Pouco, não, pouquíssimo. Reconheço. Mas, Romeu, ou seja, Romeu Alves dos Santos, fotógrafo, foi também a Praça da Matriz, no exato momento em que Fefi comandava a folia da vitória, com sua máquina, e fotografou algumas cenas, que, depois, ficaram exibidas em seu atelier, na Rua da Vitória, entre O Crediário, de Zeca Araújo, e alfaiataria de seu Filadelfo.

Pois então chego eu com o arremate final. Graças as fotos, eu pude sedimentar na mente a Copa de 1958, por um motivo até singelo (estou tendo cuidado para não complicar a história): toda vez que ia a loja de papai, no Largo da Feira, passava pelo atelier de Romeu para ver as fotos, principalmente na quarta-feira, quando era encarregado de levar a marmita para o seu almoço. Era passar, parar e olhar.

As fotos de Fefi, ao lado daqueles que lhe acompanharam, de tão vistas e revistas, me ficaram gravadas na mente, pela constância de minha entrada no atelier de Romeu, para vê-las e revê-las, calado, sozinho, sorvendo as imagens, semanalmente, durante muito e muito tempo, até serem substituídas por outras, quando o acontecimento da Copa deixou de ser novidade e Romeu resolver alterar o visual de suas vitrines com outras imagens.

As fotos aludidas me despertaram a curiosidade para ver, na casa de tia Madrinha, em O Cruzeiro, as dos lances do Brasil durante a Copa, fotos amarronzadas, Pelé beijando a bola dentro do gol, ao lado de diversos outros jogadores, no jogo contra o País de Gales, a volta olímpica com a bandeira do Brasil, Pelé chorando, depois da final, entre outras.

Devo a Fefi, que comandou a comemoração, e a Romeu, que realizou a documentação, a primeira pedra na construção do edifício de minhas poucas lembranças da Copa de 58, de forma que os meus heróis, no caso, não são Pelé nem Garrincha, mas, digo e repito, Fefi e Romeu, nomes que vou recolher na pequenez de minha aldeia, no curto espaço de uma comemoração de poucos torcedores, cuja alegria, cinquenta e dois e anos depois, ressuscito na formatação destas mal traçadas linhas.

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Publicado no Correio de Sergipe

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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