teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio

Quem me conhece sabe. Casada com um argentino, “porteño” militante há mais de 40 anos, o país “hermano” não poderia ser-me indiferente. Ou amado ou odiado. Não havia saída. Pois ainda que às vezes hesitando e debatendo, optei pela primeira alternativa. Adotei a Argentina como minha segunda nacionalidade. Amo o país, a capital, os costumes, a comida, a música, o vinho, a cultura.

Confesso que no início eu os achava um tanto antipáticos, com aquele complexo de superioridade, olhando-nos de cima abaixo, com sua elegância britânica. Chamavam-nos de “macaquitos” e criticavam nossas roupas coloridas, nosso carnaval, nosso calor. Depois percebi que era jeito de ser. Assim como nós somos barulhentos, eles são mordazes, ferinos. E como cada povo tem seu pecado capital, o deles é a soberba. E o nosso – ai! – sem dúvida é a inveja.

Pouco a pouco, com viagens frequentes para ver a sogra, visitar amigos, o “medio pelo” foi me conquistando. Aprendi a apreciar a fidelidade que os caracteriza na amizade. Meu marido está longe de lá desde os 22 anos e agora, aos 65, chega a Buenos Aires e é recebido com fanfarras por aqueles que conheceu no colégio, de calças curtas. Parece que Jorge Luis Borges, o grande – mais um ponto para a Argentina! – dizia algo a respeito disso: os argentinos se destacam por sua fidelidade extrema à amizade e aos amigos.

Fui aprendendo que em torno de um “asado” (nome argentino para churrasco) e um vinho as tensões se desfazem e o ambiente se descontrai. Fica tudo agradável e a conversa flui deliciosa. Aliás, são grandes conversadores, além de mestres na arte da sedução.

O tempo foi passando e à medida que eu fazia meu caminho na universidade e na academia, foi um outro lado do país e sobretudo da capital, Buenos Aires, que cativou de vez meu coração: o ambiente culto e sofisticado, e as livrarias maravilhosas e abundantes. Caminhar pela calle Cordoba e tropeçar em livrarias de todos os tamanhos, especialidades e conteúdos é, sem dúvida, um prazer indescritível.

É um povo que lê, que reflete, que discute e tem prazer nisso. Povo que vai ao cinema e debate o filme. Povo que cria revistas, escreve, publica, divulga. País onde os professores e “scholars”, além dos cursos regulares, têm uma vasta clientela que lhes pede seminários, workshops e cursos particulares. Povo que não para de pensar, de refletir, de debater, de elaborar. E para isso lê em toda parte: na rua, nos cafés onde podem passar o dia inteiro, no ônibus, no táxi, no metrô.

Percebo que por isso conseguem emergir de todas as crises. Trata-se de um povo bem educado e culto. E impressionantemente politizado. Não é fácil enrolar o povo argentino, por piores que sejam seus governantes. A sociedade civil se re-organiza por si mesma , inventa novas saídas, pois tem nas mãos a ferramenta de uma educação de qualidade.

A nós olham agora com respeito e algo de admiração. Somos uma potência, dizem. Sabemos olhar para o futuro. É certo e muito me orgulha. Mas quando nosso querido povo brasileiro entenderá que a Educação é prioridade zero para construir um povo e uma nação? Que no bicentenário possamos aprender com o país irmão, é o que desejo de todo coração.

Autora de “Simone Weil – A força e a fraqueza do amor” (Ed. Rocco). http://wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape/

Copyright 2010 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – É proibida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato – MHPAL – Agência Literária ([email protected])

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