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O telefone toca. É meu filho:
– Tudo bem, mãe?
– Tudo.
– Qualquer coisa ligue, certo?
– Certo, filho, obrigada.
Desligo. Tudo bem, nada. Tive vontade de gritar: estou só, tenho medo. Ponho o telefone no gancho. Estremeço. Não é de frio.
Cansei de ouvir: você ainda tem seus filhos. Não sei por que ainda. Aquilo soa como se fosse normal a gente perder tudo e ter que se contentar com o que os outros acham que nos basta. Ficar feliz porque se tem um ainda. Ainda, tem isto, ainda tem aquilo. Um dia, certamente, não terei mais nada.
Os filhos pertencem a outra realidade. São do mundo, deles mesmos. Nós os ajudamos a crescer. Eles não sabem nos ajudar a envelhecer.
O telefone toca novamente. Tiro do gancho sem atender. A noite entra pela janela. Uma seqüência de fatos passa-me pela cabeça, coerentes, intensos, dolorosos. A despedida, as flores, o altar, a missa de corpo presente. O corpo presente – e a alma? E eu? Saudade presente, solidão presente. Alma presente num corpo mal acostumado à solidão. Acender a luz, ligar a televisão, atender o telefone que toca novamente. Atendo.
– Mãe, o que pretende fazer?
– Não sei.
– Por que não vem conosco?
– Não, fico em casa mesmo.
– A casa é muito grande.
– Eu sei.
– A senhora é teimosa.

Não respondo. Não é teimosia, é medo. Medo de incomodar, encher a vida dos outros com os meus passos cansados, suspiros de angústia. Não. Meu lugar é aqui mesmo, na casa grande, na casa enorme, na casa vazia. Ainda pensei em dizer: vou com você, meu filho, vou com você. Naquele momento bem que ele poderia me proteger, livrar-me do sofrimento como fazem as mães. Pensei em dizer tudo, chorar como choram as crianças, como chorava ele quando entrou na minha vida enchendo as noites de sussurros, de cuidados, de um cansaço sonolento nas madrugadas sem fim. Faltou-me coragem para pedir-lhe proteção. Não podia ser fraca diante deles, afinal, sempre acreditaram que eu fosse a mulher forte de que fala o Evangelho.
Cansei de ouvir sempre as mesmas palavras: Precisa ser forte. Ser forte é enfrentar todos os medos, morar sozinha, sofrer sozinha porque nas noites longas ninguém ouviria se eu chorasse. Afinal, eu era gente grande.
O silêncio rouba-me a tranqüilidade.

Obs: Texto retirado do livro da autora – Memórias do Vento.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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