UM DIÁLOGO POSSÍVEL ?

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Será realizado na Casa de Angola um Seminário intitulado “Preconceito na Fala, Preconceito na Cor”. Ele se desenvolverá de 26 a 28 de maio, no horário da tarde.

Na Programação consta: – Abertura com o Diretor do Centro Cultura Casa de Angola, Dr. Camilo Afonso. E as palestras (dentre outras ): – O negro e a escolha entre princípios universais e contingências mundanas – Dr. Luis Lindo, USP; – Remando contra a maré:trabalhando a lei 10639;03; – Ilustração e Preconceito – prof. Dr. Tourinho Peres- UFBA; – A utilização da sétima arte no ensino de História da África. MSc Joceneide Cunha- UNIT; – Racismo e políticas de identidade na escola. Profa. Dra. América Cesar- UFBA; – Aonde está tanto preconceito? Dra. Denise Veiga Alves- CIMI; – Balanço do que está sendo feito com a lei 10639/03 na Universidade – Dr. Kabenguele Munanga – USP. – Conclusão : exibição de filme angolano.

Fui também convidado para falar, sobre o tema: – Religião e Escravidão : Diálogo Possível? Será no dia 28/05, 6ª f às 16:00 h).

A religião foi sempre um tema que interessou etnólogos e antropólogos. É uma atividade das mais antigas e rudimentares (no sentido de que toca nas origens) da humanidade. Talvez alguns pesquisadores dela se aproximem pelo possível exotismo que muitas expressões religiosas apresentam. O século XIX foi marcado por um clima de contraposição com respeito à religião – os temas em voga eram: Religião e Ciência e Ciência e Fé. Nessa abordagem, muitos iam armados de preconceitos contra as práticas dos povos chamados de “primitivos” ou “selvagens”. Essa visão foi, aos poucos se modificando, sobretudo com a segunda leva de antropólogos. Frans Boas trouxe o aporte do particularismo histórico, o que com outras visões – a simbólica, por exemplo – foi trazendo uma perspectiva mais científica da religião.

Na verdade, o padrão religioso é universal – não se conhece um povo que não tenha expressões, rituais, nesse âmbito. São múltiplos os conceitos de religião, mesmo que a concepção do sobrenatural varie em cada cultura. Mas os conceitos estão sempre relacionados com o quadro teórico utilizado.

Mas o que marcou as grandes “descobertas” foi uma associação entre interesses comerciais e a evangelização no espírito do século XVI, acrescido, de imediato, do espírito da Contra-Reforma. “Ouro, pimenta e almas”, é o que os historiadores apontam como o objeto da grande epopéia. Isso reflete o clima do Padroado: a política da Coroa era a mesma da Igreja, Altar e Trono juntos. Os descobridores já estavam bastante familiarizados com a escravidão negra. O Infante do Henrique, lá de Sagres, em 1420, já permitira a importação de escravos para “convertê-los”. Uma Bula do Papa Nicolau V, em 1469, concede ao rei Afonso V o direito de se apoderar das terras em regiões africanas e de reduzir os pagãos à escravidão. Já em 1441, os portugueses trazem negros da África e oferecem ao Papa Eugênio IV, como fruto de suas incursões.

As Capitanias Hereditárias, com o malogro do trabalho indígena, pediu a crescente presença de escravos nas nossas terra. Gilberto Freyre, já constata a presença de negros nas procissões na Bahia em 1552.

Mas qual a consciência da Igreja, dos Pastores, dos padres com relação ao problema, naquela época? Na verdade, há uma contradição entre a lei e a prática.

Ao lado da naturalidade com a escravidão já citada acima, os Papas tiveram palavras oficiais de condenação a essa situação: em 1462 o Papa Pio II eleva a voz dizendo que”isso é um grande crime”. Em 1639 o Papa Urbano VIII lança uma Bula excomungando todos os católicos que se dedicavam ao tráfico negreiro. Em 1741 Bento XIV na carta “Immensa”, repete a mesma condenação. Em 1814 e ainda em 1823, Pio VII, proíbe aos governantes de Portugal e Espanha esse comércio.Em 1837 Gregório XVI retoma as mesmas proibições. Leão XIII, em 1888, felicita os bispos brasileiros na ocasião do 13 de Maio.

Mas na verdade, ao longo de todo esse período, as pessoas diretamente ligadas ao tráfico, pouco caso fizeram desses documentos pontifícios. E, de fato, não “pegou” nenhuma excomunhão em ninguém.

Só com as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia (1707) é que o Batismo foi regulamentado, com preparação e aceitação prévia dos escravizados, isto é, na teoria.Mas que também nunca foi aplicado “ipsis litteris”. Luis Viana lembra que “acreditava-se que, por conta das águas lustrais do Batismo,o negro deixava na África todo o seu passado milenar. Mas, ao contrário, ele não abandonava o seus cultos. Modificava-os, adaptando-os ao novo ambiente”( O Negro na Bahia).

Na verdade, predominou a existência dos elementos afros na vida dos negros escravizados. Arranca-se tudo da pessoa: família, o habitat, mas a religião, como a mais forte expressão da cultura, sempre subsiste no coração de cada um.

Sebastião Heber. Professor Adjunto da UNEB, da Faculdade 2 de Julho. Membro do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e da Academia Mater Salvatoris.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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