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A cada ano, a sociedade civil internacional assume mais profundamente a proposta da ONU de dedicar o dia 05 de junho e a semana que envolve esta data como consagrada ao ambiente, à defesa da natureza e à comunhão com o universo. Talvez uma das razões para isso é que todos se dão conta de que os governos falharam em suas tentativas de deter as mudanças climáticas, provocadas pelo modelo sócio-econômico vigente. Não foi qualquer ecologista “exagerado”, mas o próprio presidente da Assembléia geral das Nações Unidas, Miguel d´Escoto Brokmann que, diante de 192 chefes de Estado e dos ministros e chanceleres creditados na ONU, afirmou: “Temos que reconhecer que a atual crise econômico-financeira é o último resultado de um modo egoísta e irresponsável de viver, produzir, consumir, como de estabelecer relações entre nós e com a natureza. Isso implicou em uma sistemática agressão à Terra a seus ecossistemas. É uma injustiça social planetária. A meu ver, chegamos à última fronteira. O caminho até agora percorrido tem se fechado. Se continuar assim, pode nos levar ao mesmo destino do que ocorreu com os dinossauros” (Cf. Alternativas, junho 2009, p. 56- 57).

Os dirigentes das nações sabem que, para salvar o sistema da vida, ameaçado de extinção no planeta Terra, não basta mais reduzir em 10 ou 12% as emissões de gás carbono lançado na atmosfera. Nem é suficiente promover um desenvolvimento sustentável, no qual a prioridade é o lucro e a preocupação ecológica é somente uma taxa mínima a ser paga, para que a natureza possa sobreviver às agressões, sem se extinguir. No tempo da ditadura militar, alguns médicos inescrupulosos assistiam à tortura de presos políticos para garantir que o prisioneiro a suportasse sem morrer. Há quem pense em fazer o mesmo com a natureza: explorá-la comercialmente, mas respeitar um limite.

Este tipo de desenvolvimento sustentável não basta. É urgente uma visão mais abrangente e radical no sentido de uma conversão. São os povos indígenas, as comunidades remanescentes de Quilombos e os movimentos populares que estão assumindo esta bandeira. Eles promovem campanhas e atividades de proteção à natureza e de cuidado com o planeta Terra. Há pouco mais de um mês, na Bolívia, o presidente Evo Morales convocou uma conferência dos povos tradicionais para um mutirão de cuidado com a Terra, a Água e o Ar. No Brasil, este mesmo assunto tem sido pauta de muitos encontros e trabalhos. Há anos, o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) tem fortalecido nos assentamentos e comunidades rurais o plantio de sementes crioulas. Tem lutado contra sementes transgênicas e incentivado as diversas formas de agriculturas ecológicas, livres de transgênicos e defensivos agrícolas. No sul do Brasil, escolas propõem a famílias e alunos a “adotarem” árvores que são espécies nativas da região. Elas são replantadas e cuidadas pelas pessoas que as adotam. Em várias regiões do Brasil, comissões de defesa de rios são compostas por alguns membros nomeados pelo governo e por pessoas voluntárias, eleitas pela comunidade para velar pela defesa das águas. Elas trabalham para que a água seja considerada patrimônio comum e um bem a ser salvaguardado para a humanidade e todos os seres vivos.

Quando se fala em defesa da natureza, todos pensam na Amazônia. Isso é bom e justo. Mas, todo brasileiro está obrigado em consciência a pensar na defesa do Cerrado. É o bioma que abrange dois milhões de Km2, presente em onze estados brasileiros. Nos últimos anos, graças a Deus, o desmatamento da Floresta Amazônica tem diminuído. Entretanto, a destruição do Cerrado tem aumentado. Chegam a falar em 30 mil km2 por ano. Também neste caso, as comunidades têm descoberto que, ao lado das medidas governamentais de defesa e as necessárias leis de proteção, um instrumento eficaz para a defesa do Cerrado é a valorização da cultura popular e da relação amorosa com a natureza que nos cerca.

Para quem crê em Deus, esta relação de veneração e amor com a natureza é um modo de testemunhar a presença divina no universo e de entrar na sua intimidade. Nesta 5ª feira, 03 de junho, os católicos celebram a festa do Corpo e Sangue de Cristo. Em algumas comunidades afro-brasileiras, os fiéis festejam Oxóssi. Tudo isso é um chamado para reconhecer na natureza uma presença divina, como grande corpo cósmico do Espírito. Ele nos convida a nos sentir inseridos neste coração divino e ser mais solidários uns com os outros e com a natureza.

(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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