teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio.
O Dia das Mães, comemorado no último domingo, nos trouxe o desejo de refletir sobre a maternidade, seu mistério, sua beleza. Depois do Natal, trata-se da festa mais celebrada e, por isso, mais esperada pelo comércio. Mais que os pais, que as crianças, que qualquer outro pretexto ou data ou efeméride, as mães são celebradas e comemoradas e presenteadas, revelando bem claramente a importância que lhes é dada não só pelos filhos, mas pela sociedade em geral.
Porém, quando e como nasceu o Dia das Mães? Como é a história do nascimento no calendário humano desta festa que hoje se impôs como acontecimento obrigatório na maioria dos países do mundo? Quando e por que as mães começaram a ter um “dia” especial para ver sua maternidade celebrada e festejada?
As primeiras celebrações do Dia das Mães remontam à antiga Grécia, onde era cultuada a deusa Rea, a mãe dos deuses Zeus, Poseidón e Hades. Essa comemoração também coincidia com a chegada da primavera. Sendo a religião dos gregos, como em geral as religiões antigas, regulada de acordo com os ciclos da natureza, a Primavera significava a chegada da vida após a “morte” trazida pelo frio e pelo gelo do inverno. As árvores nuas e secas recomeçavam a reverdecer e florescer, a natureza inteira despertava do sono onde estava mergulhada e renascia. Rea então era celebrada e louvada como aquela que, sendo mãe dos principais deuses do Olimpo – Zeus, deus do céu e do trovão; Poseidón, deus do mar e dos terremotos; Hades, deus da morte e do mundo invisível – era mãe de toda a realidade criada.
Os povos antigos realizavam uma adoração formal à mãe com cerimônias a Rea ou a Cibeles, outro nome invocado para personificar a terra fértil, assim como Gea. Cibeles era uma deusa das cavernas e das montanhas, muralhas e fortalezas, da Natureza e dos animais. Era, assim, uma divindade de vida, morte e ressurreição. E comandava, em toda a realidade onde vivia a humanidade, o processo da vida que vencia a morte.
Os romanos retomaram esse costume grego e chamaram esta celebração a Hilária, situando-a nos “idos de março”, época em que no hemisfério norte a primavera começava a despontar e recriar a natureza adormecida pelo frio invernal.
O cristianismo, que já nasceu dentro das culturas onde anunciou o evangelho, tomou essas festas existentes e transformou estas celebrações, colocando ao centro a figura de Maria de Nazaré, mãe de Jesus. Em alguns países católicos, como o Panamá, o Dia das Mães é celebrado não no primeiro quartel do ano, ou em maio, mês de Maria, mas no dia 8 de Dezembro, que é também e simultaneamente a festa da Imaculada Conceição de Maria.
Com o processo de secularização, quando as festas religiosas vão perdendo sua força configuradora do tempo e do espaço e já não comandam mais o calendário e as estações, encontramos uma origem do Dia das mães mais perto de nós, no século XX, com um motivo muito afetivo e real.
Uma jovem norte-americana, Anna Jarvis, perdeu sua mãe e entrou em profunda depressão. Preocupadas com o profundo sofrimento da jovem, algumas de suas amigas decidiram oferecer-lhe uma festa para perpetuar a memória da falecida. Annie, agradecida, quis que essa homenagem fosse não apenas para sua mãe, mas pudesse ser estendida a todas as mães, vivas ou mortas.
A comemoração foi ganhando adeptos e se alastrou pelos Estados Unidos até que em 1914 a data foi oficializada pelo presidente Woodrow Wilson: dia 9 de maio.
No Brasil, em 1932 o então presidente Getúlio Vargas oficializou a data no segundo domingo de maio. E em 1947 o Cardeal Dom Jaime de Barros Câmara, do Rio de Janeiro, determinou que a data fizesse parte também do calendário oficial da Igreja Católica.
Como vemos, na esfera do sagrado e do profano, no céu ou na terra, na antiguidade ou na atualidade, a maternidade foi e é sempre algo que a humanidade entendeu dever louvar, comemorar, celebrar.
Nem poderia ser de outra maneira. Poucas coisas há tão importantes para um ser humano como o ventre que o gerou e o trouxe à vida e à luz. Todas as certezas podem ruir. Sempre restará uma: a de ter sido gestado e parido do ventre de uma mulher. Por isso culturas como a judaica, por exemplo, veem na mãe a segurança de pertença ao povo. É judeu quem é filho de mãe judia. E no Brasil a abolição da escravatura começa pelos ventres das africanas que, ainda que escravas, têm um “ventre livre”, capaz de parir filhos alforriados já ao nascer, sobre quem já não pesam as cadeias e o jugo terríveis que dizimaram gerações.
Ventre que gera, abriga, dá à luz. Peitos que alimentam, aconchegam, aninham. Mãos que acariciam, lavam, penteiam, fazem dormir. Olhos que riem e choram ao ritmo da vida de outro; coração que gerou o bater de outro coração e baterá toda a vida não mais ao próprio ritmo, mas no ritmo outro que alterará o seu.
A maternidade é a condição de possibilidade de que a humanidade continue existindo. É a prova cabal e indubitável de que, por mais rigoroso e cruel que seja o inverno, a primavera está sempre à espreita em algum ventre grávido, derramando-se morna e branca de dois seios túrgidos e repletos.
Bem sabiam os antigos ao celebrar a deusa Rea ou Cibeles. É digno e justo louvar a maternidade de todas as mães havidas e por haver pois nelas, por elas e graças a elas, a história da humanidade continua a ser uma história onde a vida sai sempre vitoriosa de todas as contendas.
Maria Clara Bingemer é autora de “Deus amor: graça que habita em nós” (Editora Paulinas), entre outros livros. http://wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape/
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