Padre Beto 18 de maio de 2010

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Certa vez, um grão de trigo escondeu-se no celeiro. Era tempo de semeadura e o pequeno grão não queria de forma alguma ser semeado. Definitivamente ele não queria passar pela difícil experiência de transformação. Ao ser semeado, o pequeno grão vivenciaria uma grande mudança e seus dias não seriam mais os mesmos. Ele queria continuar com sua vidinha de grão. O tempo passou e o pequeno grão de trigo nunca se tornou pão. Ele nunca foi levado à mesa, nunca foi abençoado e dividido. Ele nunca deu vida, nunca foi motivo de alegria. Certo dia, o dono da fazenda chegou ao celeiro e o pequeno grão foi jogado fora junto com toda a poeira.

A vida do ser humano é definida a partir de escolhas. Através da escolha entre poucas ou muitas alternativas é construído o perfil de uma personalidade. Além de ser o momento que nos convida à reflexão, o fazer uma determinada escolha espelha nossa visão de mundo e aquilo que verdadeiramente somos. O que é escolhido está intimamente relacionado com o sujeito que escolhe. Sem dúvida alguma, existem situações as quais se tornam inevitáveis. São circunstâncias que independem de nossa própria vontade. Porém, mesmo o fatal nos oferece uma diversidade de alternativas: as diferentes formas de enfrentá-lo. Dependendo da maneira como reagimos diante das situações obrigatórias ou não desejadas demonstramos também nosso caráter. O capitão de um navio pode avistar em alto mar uma terrível tempestade que se aproxima. Se o capitão é experiente saberá que a tempestade é inevitável, mas mesmo assim ele poderá controlar a velocidade do navio, a rapidez com a qual o navio se confrontará com a tempestade.

O momento da escolha torna-se muitas vezes fundamental, não simplesmente pelos pensamentos e reflexões que devemos desenvolver ao fazermos uma opção, mas pelo fato da oportunidade da escolha ser efêmera, fugaz, transitória. Diante de muitas alternativas encontra-se o perigo de, no momento seguinte, nós já não termos mais o direito de escolha. A seriedade diante de uma alternativa não está no fato de podermos viver o que escolhemos, mas no fato de termos que viver o que não escolhemos ou não conseguimos escolher. Muitas vezes, nos recusamos a fazer uma escolha acreditando que somos capazes de conservar a vida como ela se encontra. A vida, porém, é dinâmica e sujeita a mutações. Neste sentido, o mais importante diante das alternativas da vida não é o fazer a escolha certa, mas sim a energia, a seriedade, a vontade com que fazemos a escolha. Através da intensidade que realizamos as escolhas da vida anunciamos e consolidamos nossa personalidade, ganhamos respeito diante das outras pessoas e, muitas vezes, a escolha que aparentemente seria errada torna-se a mais correta. Se fizermos uma escolha com seriedade, talvez não cheguemos a fazer grandes feitos ou talvez não agradaremos a maioria das pessoas mas, com certeza, seremos nós mesmos. O objetivo fundamental do ser humano não deve ser a simples aceitação do grupo, mas sim a capacidade de ser autêntico. “A verdadeira grandeza não consiste em receber honras, mas em merecê-las” (Aristóteles). Somente na autenticidade o ser humano descobre verdadeiramente o caminho de sua realização pessoal. Ser autêntico é uma qualidade que se encontra acessível a qualquer pessoa, desde que ela a deseje. A vida se desenvolve quando em nossas escolhas buscamos ser e fazer o que nos completa. “O canto é do cantor e a ele retorna mais, o ensino é do professor e a ele retorna mais, o assassínio é do assassino e a ele retorna mais (…) a encenação é da atriz e do ator e não do espectador, e nenhum ser humano compreende: grandeza ou bondade são a própria ou indicação da própria” (Walt Whitman). A vida nos oferece sempre a possibilidade de escolher ou não escolher. Nesta decisão está em jogo a nossa autenticidade. Muitas vezes deixamos que o grupo decida por nós, deixamos de fazer nossas próprias escolhas por medo da reação de outras pessoas ou por receio da mudança em nossa vida. Mas, somente assumindo verdadeiramente minhas escolhas encontrarei a razão de estar na existência e tornarei meu “estar aqui” algo de extraordinário. Querer ser igual aos outros pode ser fácil no começo, mas se torna fatigante com o tempo, ser como sou pode me trazer dificuldades, mas sempre terei a certeza de que estou vivendo realmente. “I want to be immortal by not dying” (W. Allen).

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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