teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio.

Chovia torrencialmente no Rio de Janeiro no último dia 5 de abril, uma segunda-feira. Cheguei em casa com dificuldade e saí após a façanha de conseguir um táxi. Vencidos enxurrada e lamaçal, aportei na Academia Brasileira de Letras, subindo degraus infindáveis, levantando o vestido longo e molhando os sapatos.

A ocasião merecia. Tratava-se de homenagear a queridíssima e mais que admirada Dona Cléo, ou mais solenemente, a Professora Cleonice Seroa da Mota Berardinelli, 93 anos, que naquela noite era declarada imortal das letras brasileiras. A sala cheia testemunhava o bem-querer de que desfruta a nova acadêmica. Quando cheguei ela já proferia seu discurso. Esqueci a chuva, a tempestade, o esforço, tudo. Na sala grande e solene do Petit Trianon só havia a voz melodiosa e suave de Cleonice.

Toda a audiência, silenciosa, em suspenso, acompanhava o voo leve e harmonioso de sua fala. As palavras adejavam, graciosas e ágeis, pronunciadas no diapasão exato, no tom adequado, com a modulação perfeita. E quando ao final, ela contou a “pequena história” de seu primeiro encontro com o poeta Alberto de Campos, primeiro a ocupar a cadeira que agora era a sua na Academia, podiam-se ouvir suspiros de encantamento.

Ouvindo Dona Cléo, eu pensava que já não se fazem mulheres como antes, grandes damas, elegantes, de uma beleza que desafia o tempo e vai se tornando mais intensa e profunda à medida que ele passa. Já não se fazem mais professoras como ela, mestras de várias gerações, que não apenas despejam conteúdos sobre os alunos, mas os acompanham com desvelo maternal, formando-os para a vida. O testemunho do acadêmico Afonso Arinos, encarregado de saudá-la, deu disso comovente testemunho.

Mas sobretudo, ouvindo e contemplando Dona Cléo, sua figura esbelta e elegante, seus olhinhos azuis vivíssimos, sua pele jovem, seus cabelos brancos impecáveis, seu sorriso adorável, pensava que já não se faz beleza como antes. Trata-se de uma beleza que vem de dentro para fora, irradiando a partir de uma chama interior que transborda corpo afora o que vai alma adentro.

E o que vai alma adentro é muita paixão pelo conhecimento, pela aprendizagem e pelo ofício de ensinar. É muito amor pelos discípulos e pelos livros nos quais aprenderão aquilo que ela um dia aprendeu e agora lhes transmite. É uma naturalidade no viver distribuindo graça, delicadeza, sabedoria e amabilidade, que não deixa espaço para testas franzidas e maus humores, que enfeiam e envelhecem.

É sobretudo não apostar no que envelhece e estraga, mas sim no que desabrocha e floresce. É sempre dar-se toda às novas gerações que vão chegando daqui e dali, sedentas de profundidade, de mergulho no saber, de aventura pelos campos das letras, da poesia, da literatura.

Como pode envelhecer uma mulher para quem cada dia é uma encantadora viagem pelo mundo da leitura dos grandes mestres? Como pode não ser harmoniosa e repousantemente bela uma grande dama que vive em companhia de poetas como Camões e Pessoa?

Naquela noite chuvosa, Dona Cléo brilhava, iluminada. E sua beleza não tinha idade. Sua voz era jovem e delicada, seu sorriso alegre e divertido. Na contramão da cultura do silicone e do botox, a todos ensinava o segredo da imortalidade: apostar no que não passa e cultivar o espírito. Obrigada, cara mestra!

Maria Clara Bingemer é autora de “Deus amor: graça que habita em nós” (Editora Paulinas), entre outros livros.
http://wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape/

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