No mundo diversificado e no qual convivem tantas culturas e religiões diferentes, aumenta cada vez mais a busca por um sentido mais pleno de vida e amor. Qualquer que seja a nossa cultura, idade e história; temos todos em comum um desejo íntimo e insaciável por algo mais profundo do que a mera cotidianidade, com suas necessidades imediatas. É como uma fome e sede do infinito. Mesmo quando nos deixamos absorver pelas correrias do dia a dia, dentro de nós pulsa um misterioso apelo para um reencontro mais profundo conosco mesmo, para uma relação solidária com as outras pessoas e com o universo.
As tradições espirituais tentam dar forma e método a esta vocação que podemos chamar “espiritual”. A Bíblia diz que esta realidade nos vem de um chamado de Deus. O povo antigo acreditava que era como um sopro do vento. As pessoas podiam até dizer: “O vento me contou ou o vento me mostrou isso…”. Em uma das importantes tradições religiosas afro-brasileiras, a ventania é expressão de Iansã, o Orixá dos ventos e das tempestades. Na Bíblia, em hebraico, se chama: “a ruah divina”, ou o sopro benfazejo da ventania divina. Uma das primeiras imagens que aparece no texto sagrado é a ventania divina que, na criação, pairava sobre as águas primordiais (Gn 1). Mais tarde, quando o povo de Deus precisava atravessar o Mar Vermelho para se libertar da escravidão do Egito, a ventania divina soprou durante toda a noite, separando as águas, para que o povo pudesse atravessar o mar a pé enxuto (Ex 14). Muitas vezes, o Espírito Divino toma a expressão feminina de mãe carinhosa a soprar a vida sobre a primeira humanidade (Adão), depois a fazer com o povo uma aliança de amor, baseada no casamento entre verdade e amor fidelidade e ternura. Conforme o evangelho de João, quando ressuscitou, Jesus apareceu aos discípulos reunidos e soprou sobre eles. Ao soprar, lhes disse: “Recebam o sopro divino, ou seja, o Espírito” (Jo 20, 19- 23). Como Mãe grávida de amor, dá a luz esta vida nova que transforma interiormente e de modo muito profundo a nós mesmos e ao mundo.
Nem sempre é fácil ouvir e seguir o apelo divino, em meio a tanto barulho e dispersão. Nos últimos tempos antes de Jesus nascer, o povo da Bíblia criou a festa de Pentecostes para celebrar o fato de que o Espírito Mãe sempre renova a sua aliança de intimidade conosco e imprime sua lei de amor em nossos corações. Há 50 anos, o papa João XXIII tinha convocado todos os bispos católicos do mundo para um novo concílio ecumênico em Roma. Como observadores nesta reunião, convidou irmãs e irmãs de outras Igrejas cristãs. Ele pensou o concílio como um instrumento importante para a unidade visível das Igrejas e para maior abertura e diálogo entre as Igrejas e a humanidade. Às comunidades católicas de todo o mundo, propôs uma oração que pedia a Deus para a Igreja um novo Pentecostes. Desejava que a Igreja cristã se tornasse mais e mais espaço de irmandade e comunhão para toda a humanidade.
Nesta semana, mais uma vez, as Igrejas encerram as festas anuais da Páscoa com a celebração de Pentecostes. No Centro-oeste e em outras regiões do Brasil, as folias do Divino saem às ruas com seus ritos, suas melodias e seus tambores. Invocam o Espírito sobre a natureza ameaçada e este mundo que parece sem rumo.
Hoje, homens e mulheres das mais diversas religiões, assim como pessoas que não seguem nenhum credo, se engajam em buscar “um novo mundo possível”. Deixam-se tocar pela brisa suave da ventania divina e se mobilizam ao ver o fortalecimento de movimentos populares, indígenas e negros em todo o nosso continente. Quem abrir os olhos verá que há algo de novo acontecendo. É o esboço de uma transformação social e política em vários países da América Latina. Entretanto, isso tem um segredo mais íntimo: “é o amor divino derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5, 5).
(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.