Comemorar de forma saudosista o 25 de Abril, ornando as cerimónias de uma liturgia gasta, é algo que não colhe na sociedade actual. O povo está empanturrado de oralidade de circunstância; espera obra e não palavras. Por esta simples razão, a efeméride da revolução dos cravos não trouxe nada que pudesse alimentar a esperança dos portugueses, não obstante alguns reparos e sugestões do Presidente da República, designadamente no que se prende com os chorudos ganhos de administradores de Empresas Públicas (EPs) e outras, com a Vocação Atlântica de Portugal e com a aptidão da cidade do Porto para congregar, à sua volta, um pólo de desenvolvimento estratégico.
Dias depois da efeméride, a fragilidade da situação financeira portuguesa era posta à prova por um abanão dado pelos especuladores bolsistas. Pouco mais de um dia bastou para mostrar que o país não está seguro. Treme à mínima sacudidela. O sismo foi de curta duração e de baixa intensidade, mas suficientemente grande para revelar que Portugal não está preparado para enfrentar a envolvente turbulenta em que vivemos, não está apto a materializar a prossecução dos objectivos a que se propõe e, mais grave ainda, não tem mecanismos que permitam a auto-regeneração. A envolvente turbulenta em que o mundo moderno está metido, com especial destaque para os aspectos económico-financeiros, crise social e rápida alteração de variáveis, revela-nos que temos de ser capazes de nos reorganizarmos em moldes de estruturas produtivas dotadas de flexibilidade a fim de permitir reajustamentos à medida das necessidades e muita parcimónia nos gastos supérfluos, devendo o exemplo começar a ser dado pelas cúpulas das EPs no domínio dos vencimentos, prémios de produtividade e demais mordomias e também no âmbito das pensões de reforma que concedem, inclusivamente, a quem esteve por lá de passagem.
A obsessão do Primeiro-Ministro pelas grandes obras públicas, como alavanca do crescimento, faz-me lembrar a estratégia de desenvolvimento planeada por Marcello Caetano que incluía a construção de um novo aeroporto na margem Sul do Tejo (Rio Frio), uma nova ponte sobre o Tejo, auto-estradas, um porto de águas profundas em Sines e um grande pólo industrial em torno deste porto (tancagem de petróleo, refinaria, adubos, petroquímica, siderurgia, metalomecânica pesada, metalurgia do cobre, aproveitamento do ferro de Moncorvo e das pirites e calcopirites alentejanas, etc.). Marcello Caetano tinha a seu favor: o recheio em ouro dos cofres do Banco de Portugal, uma taxa de crescimento invejável, o petróleo de Angola e uma conjuntura internacional favorável. Mas tinha também em desfavor as três frentes da guerra colonial e, por aqui, ruiu a estratégia marcelista. Sócrates não tem o inconveniente das guerras coloniais e tem ainda a seu favor reservas de ouro do Banco de Portugal, mas tem em desabono: a conjuntura internacional, uma dívida pública enorme, estagnação económica e, por isso, a sua estratégia faz-me lembrar o princípio que norteou o chamado Milagre Económico Brasileiro, trilhado nos tempos da Ditadura Militar (período Medici-Geisel), que se apoiou em grandes investimentos públicos (barragens, central nuclear de Angra dos Reis, novo aeroporto do Rio de Janeiro, auto-estradas, a célebre Rodovia Transamazónica, a ponte Rio-Niteiroi, etc.) obras que, embora tivessem gerado milhões de empregos, o povo teve de pagar com juros altíssimos, num sufoco de rasgar o corpo e a alma, sofrimento que se propagou por negros e infindos anos.
Voltar a reflectir sobre a nossa vocação Atlântica, como sugere o Presidente da Republica, pode fazer sentido. Resta saber, concretamente, o que se pretende realizar? Terminais de carga geral e/ou de carga específica ligados a comboios de mercadorias de alta velocidade (tipo TGV) para atingir o centro da Europa num instante? Licenciamento de zonas francas? Reactivação da pesca articulada com piscicultura e aquacultura? Gás, petróleo ou outros recursos minerais? Energia das ondas? Mais turismo? A concentração de um pólo de desenvolvimento estratégico, em redor da cidade do Porto, oferece menos dúvidas. O norte sempre teve uma vocação natural para a indústria e para os negócios e tem centros de saber-fazer e de investigação ligados, respectivamente, à indústria e a pólos universitários. Contudo, em termos de estratégia, não se pode ter exclusivamente uma lógica de produto, tem de se ter também uma lógica de mercado. Por outro lado, antes de atingirem a maturidade negocial (alta rendibilidade, baixos investimentos e excedente de liquidez), as empresas não praticam filantropia e qualquer linha estratégica tem o seu tempo de crescimento até chegar à fase estelar. Os próximos anos vão ser muito ásperos para as classes média e baixa de Portugal.
Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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