PONTO DE CHEGADA OU PONTO DE PARTIDA?

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O dia 13 de Maio é comemorado por diversos vieses. Dia da Libertação dos Escravos, 1888, tudo vindo do gesto salvador da Princesa Isabel, a Redentora.

De outro lado, a Igreja Católica comemora a aparição de Maria, em Fátima, aos pastorzinhos. Depois de um período de grande desconfiança, e mesmo, de perseguição às três crianças, vem a adesão do povo, os prodígios. E hoje, Fátima é um dos maiores santuários da história católica no mundo, recebendo peregrinos de todos os tipos e Nações. João Paulo II lá esteve algumas vezes e até levou a cápsula da bala que o alvejou na Praça de S. Pedro, depositando junto à imagem, na Capela das Aparições.

Aqui em Salvador, o Instituto Geográfico e Histórico, comemorando o 116º aniversário de fundação, sob a direção da competente professora Consuelo Pondé, Presidente da Casa da Bahia ( professor Edivaldo Boaventura diz que ela é “ a Presidente vitalícia” – mas ele é também, com toda capacidade que lhe é peculiar, o orador também vitalício daquela Casa), tem uma programação especial: Abertura com a Presidente, palavra do Orador Oficial, homenagem aos sócios falecidos, lançamento do livro “O Tupi na Geografia Nacional”, de Teodoro Fernandes Sampaio ( patrocínio do Colégio Apoio) e apresentação musical.

Participo na PUC, de S. Paulo, nessa semana, de um Seminário intitulado: A Cidade e o Negro no Brasil – Cidadania e Território ( baseado na Lei 10.639/2003).

E a motivação para esse Seminário advém do fato de que nas primeiras décadas do século XX, há inúmeros registros de contribuição negra às cidades brasileiras, e no caso em foco, em S. Paulo: as irmandades negras, a força do trabalho em geral, as organizações sociais e culturais em torno das escolas de samba, as religiões de matriz africana, a imprensa negra comprometida com as denúncias de racismo e a elaboração de políticas de igualdade social e racial.

No decorrer do século passado, os atores sociais negros e negras inscreveram no chão do território suas histórias de lutas, derrotas e conquistas, identidades, componentes culturais e políticos de enfrentamento às formas de segregação, racismo e desigualdades.

Esse seminário objetiva ampliar a discussão sobre o cenário da população negra na sociedade brasileira: relações de gênero, trabalho, habitação, escolaridade, renda, saúde, cultura e, principalmente, as oportunidades de igualdade social e racial.

A programação é vasta: – Território e Cidadania insurgente na Produção de Conhecimentos e Comunidades, – Filme: Os sambas e as Áfricas na voz de Geraldo Filme, – O Negra e a Educação de Jovens e Adultos ( EJA ), – Relações de Gênero, Raça, Classe e Desigualdades em Salvador, – Do Quilombo à Favela no Rio de Janeiro, – “Que negra é essa”? Um estudo de identidade em um grupo de mulatas, – Segregação Sócio-espacial e Identidade Negra: Aspectos Nacionais e Internacionais. E a palestra de encerramento tem como tema; Política de ação Afirmativa e Diversidade etnicorracial: caminhos para Implementação da Lei 10.639/03.

Nesse dia, Santo Amaro da Purificação se torna a capital do Bembé do Mercado. É o canto-dança dos ex-escravizados em agradecimento pela nova fase em que entraram e pela qual continuam lutando até o presente.

Durante décadas girou-se em torno de uma mítica, a da “Redentora”, como se tudo tivesse dependido daquele momento. Mas esse gesto histórico foi precedido e, mesmo, construído por uma série de fatos e momentos marcantes para a escravidão no Brasil. Desde as primeiras reações no Engenho Vitória, em Cachoeira, alcançando um momento mais do que simbólico com Zumbi dos Palmares, na Bahia com a revolta dos Malês, tudo representou um somatório de ações libertárias.

Hoje há um resgate da identidade negra, o que significa a busca de uma representação de si. Negativizados desde a sua cor até a sua condição social, os afrodescendentes viram-se sempre alijados das vantagens sociais por consequência da negação de sua cultura e história. Falar em cosmovisão africana, portanto, tem, certamente, uma dimensão política, bem como uma dimensão social e econômica.

Na tradição católica brasileira, o mês de maio é um hino de louvor àquela que se intitula de “a serva do Senhor”. Às vezes nos esquecemos que a Padroeira do Brasil, Nossa Senhora Aparecida, no seu signo externo e votivo, é a de uma imagem que foi encontrada na cor negra.

Sebastião Heber.Professor Adjunto de Antropologia da UNEB, da Faculdade 2 de Julho. Membro do Instituto Geográfico e Histórico da BA e da academia Mater Salvatoris.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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