Ante a proximidade da Páscoa, passei toda a semana posterior ao Domingo de Ramos em preparação para o Tríduo Pascal, especialmente para a Vigília que é uma celebração densa, bela e rica de sentido bíblico e teológico, que devem falar por si mesmos, através da liturgia. Também as celebrações da Quinta Feira Santa e da Sexta Feira da Paixão foram muito bonitas, bem preparadas, com os cantos litúrgicos próprios do tempo e apropriados para cada uma delas, mas, a Vigília Pascal, que segundo Santo Agostinho, é a mãe de todas as vigílias, foi belíssima, de uma beleza espiritual e transcendente.
A celebração da Vigília Pascal, ponto culminante de toda a espiritualidade do tempo quaresmal, inicia–se no largo da Matriz com a bênção do fogo novo pelo qual deve ser aceso o Círio Pascal que representa o Cristo Ressuscitado e deverá ficar presente nas celebrações eucarísticas e dos demais sacramentos, durante todo o tempo pascal, sendo retirado solenemente após a missa do domingo de Pentecostes, quando a Igreja celebra a vinda do Espírito Santo.
Após o acendimento, o Círio é levado em procissão e ao adentrar na igreja que fica às escuras, o padre canta três vezes “Eis a luz de Cristo”, em tons ascendentes e a assembléia responde:”Demos graças a Deus”, ao tempo em que são acesas as velas dos fiéis a partir da luz do Círio, até que chegue e seja colocado ao lado do altar, ocasião em que diante dele, um solista entoa o Exsultet (proclamação da Páscoa) com as respostas cantadas por todos. Em seguida, o Glória a Deus nas Alturas, silenciado durante toda a quaresma, explode num canto uníssono por toda a assembléia, acompanhado pelo órgão e pelos demais instrumentos que até então aguardavam esse momento para tocarem, juntamente com o repicar dos sinos. São momentos muito bonitos e significativos que penetram profundamente nosso espírito, elevando-nos até o Cristo Ressuscitado. Chegam a ser emocionantes.
Segue-se a Liturgia da Palavra com as leituras do Gênesis, do Êxodo e dos profetas Isaías, Baruc e Ezequiel, ao todo sete leituras do Antigo Testamento, acompanhadas dos respectivos salmos, também cantados, cada um, por um(a) salmista, havendo, também as orações correspondentes a cada leitura, rezadas pelo padre. É impressionante como a assembléia fica atenta a tudo e de tudo participa atentamente. Ainda na Liturgia da Palavra, procede-se à leitura da Carta de São Paulo aos romanos em que ele explica que todos nós batizados participamos concretamente da Páscoa de Jesus e nos exorta para que “levemos uma vida nova”. Em seguida, o padre proclama o Evangelho de Jesus Cristo, segundo Lucas, antecedido de vibrantes Aleluias que ressurgem nessa noite, após o silêncio dos quarenta dias da quaresma.
Depois de uma breve homilia pascal, vem a Liturgia Batismal, começando com a Ladainha de Todos os Santos, cantada em forma de diálogo por uma solista e respondida em coro pelos fiéis, seguindo-se a bênção da água que é antecedida por um belo canto evocativo de todas as águas: da criação do mundo, do batismo, do Dilúvio, do Mar Vermelho, acompanhado por uma dança litúrgica, cujos movimentos suavemente sincronizados expressam as palavras do canto, e encaminham para a pia batismal, onde são despejados sete vasos com água. (O referido canto das águas foi composto pelo padre Josenildo do Pajeú, ao longo de quatro anos, segundo o próprio autor, cuja melodia do refrão: “Bendito, bendito, bendito seja o Senhor! Bendido, bendito, pela água e pelo amor!”, remonta ao som das águas, quando ele com os outros meninos de sua idade, mergulhavam nas águas do Rio Pajeú, em Afogados da Ingazeira, no sertão pernambucano. Sempre que eu canto essa bendição das águas, surge-me a imagem daqueles meninos pulando no rio e, das águas, saindo o mavioso som que resultou na bela ação de graças, tendo em conta que, para os nordestinos, a água é um dom e uma bênção de Deus).
Depois do canto e da dança litúrgica, segue-se a oração de bênção da água, em que o Círio, por três vezes, é mergulhado na pia batismal, sob a invocação do Espírito Santo para que, por aquela água batismal, sejamos purificados e renascidos em Cristo para uma vida nova. Após a bênção da água é feita a renovação das promessas do batismo, por toda a assembléia, que novamente acende as velas, inundando de luzes toda a igreja. Realiza-se, então, a aspersão dos fiéis com a água batismal, ao som de um antiquíssimo e belo canto, que nos remete ao nosso batismo, sendo alternado com um solo de flauta e assim repetido durante toda a aspersão:”Banhados em Cristo, somos uma nova criatura. As coisas antigas já se passaram, somos nascidos de novo. Aleluia!” Como se vê, através desses ritos de beleza singular, não há como ficar inerte e assim, toda a assembléia sente a verdade desses sinais e a eles se une espiritual e piedosamente.
Somente depois de todo esse ritual preparatório é que vem a solene Liturgia Eucarística, cume de toda a celebração pascal. Inicia-se com o Prefácio da Páscoa cantado pelo padre que ao final conclama ao canto do Santo, no qual a Igreja dos vivos, dita padecente, junta sua voz à voz dos anjos e dos santos, unindo-se à Igreja triunfante para aclamar o Senhor. O Santo é um canto de júbilo e louvor, entoado por uma solista e pela assembléia, ao som dos instrumentos musicais. É gratificante ver-se e ouvir-se toda a igreja unida nesse canto de aclamação. E após, continua a oração eucarística ao fim da qual é proclamada a narrativa da Instituição da Eucaristia. Este momento forte: “Eis o mistério da fé!”, é acolhido por todos, em piedoso silêncio que expressa a fé da assembléia reunida , celebrando o mistério da Ressurreição de Cristo, e a esperança de nossa própria ressurreição. Concluindo a prece eucarística, eclode o Amém, entoado por todos os presentes. Santo Agostinho dizia que o Amém, após a oração eucarística, deve fazer estremecer as colunas da igreja, pois significa a adesão dos cristãos ao plano salvífico de Deus, por meio do seu Filho, Jesus Cristo.
E por fim, chega o momento da partilha do pão consagrado, corpo de Cristo, acompanhada pelo canto do Cordeiro de Deus, um canto orante de súplica ao Cordeiro de Deus, Jesus Cristo, pelos pecados do mundo, vindo em seguida, a distribuição da comunhão sob as duas espécies. É o momento esperado da ceia pascal, para a qual somos convidados pelo próprio Cristo, ali presente. E como não podia deixar de ser, o canto de comunhão é constituído de uma antífona, alusiva ao Evangelho, em que narra a ida das mulheres, de madrugada, ao sepulcro e o encontram vazio: “Por que estais procurando entre os mortos aquele que está vivo? Ele não está aqui. Ressuscitou!”, disseram-lhes os anjos à entrada do túmulo. Reproduzindo a antífona, um coro de vozes femininas entoa, suavemente, ao som da flauta e do órgão: “Mal começava o domingo, a semana, lá vão as mulheres com flores e aromas, de passo em passo de rua em rua. O sol já havia surgido. Aleluia!”. Após a antífona, cantam-se as estrofes do “Canto de Zacarias”: “Bendito o Deus de Israel que seu povo visitou e deu-nos libertação, enviando um Salvador, da casa do Rei Davi, seu ungido servidor . . .”, de forma vibrante e ritmada, numa melodia regional, inculturada e muito bonita, repetindo-se, outra vez a antífona. O contraste entre o ritmo lento e suave da antífona e o rítmo forte e vibrante do Canto de Zacarias, fez o diferencial que destacou a beleza do canto da comunhão.
E assim, celebramos o Tríduo e a Vigília Pascal lá na paróquia de Casa Forte (Recife/PE). Mencionei primeiro a Vigília Pascal, por que todas as celebrações anteriores, da Quinta Feira Santa e da Sexta Feira da Paixão, são preparatórias, pois tudo converge para a Vigília que celebra a Ressurreição de Cristo, “sem a qual vã é nossa fé”, segundo o apóstolo Paulo.
Foram, semanas de preparo, ensaios, vivências, reuniões, muito trabalho, para que tudo acontecesse da forma mais bela e verdadeira. Mas, realizadas as celebrações, todos nós que formamos a equipe de liturgia da paróquia, sentimo-nos extremamente gratificados por termos vivenciado e levado a assembléia a também vivenciar essa maravilhosa experiência do Cristo Ressuscitado.