A ONU consagra esta quarta-feira, 07 de abril, como “dia mundial da saúde”. É a data em que, em 1948, foi criada a Organização Mundial da Saúde (OMS), com a qual os países membros da ONU têm compromisso de atuar e colaborar. Não é uma data festiva, até porque não há muitas conquistas a comemorar. Em um mundo no qual mais de um bilhão de pessoas sofre de extrema pobreza, agravada desde o início deste século XXI, a fome se torna epidemia e a saúde um bem quase inalcançável. Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS), define-se a saúde como “o estado de completo bem-estar físico, psíquico, mental e social”. Consiste não apenas em não estar doente, mas em alcançar um equilíbrio de vida sadia. As religiões antigas chamavam isso de salvação, não no sentido de libertação da condenação do inferno, mas da plenitude da vida e da graça divina em nossas vidas.A doença não está ligada ao pecado, ou culpa ou erro pessoal, mas recorda que a saúde plena é a realização total da vida. A tradição afro-brasileira denomina esta energia de Axé.
Se formos aplicar rigidamente este critério, ninguém no mundo tem verdadeira e completa saúde. Todos nós estamos sempre em processo de vencer certas fragilidades do corpo e do espírito que atentam contra o que podemos chamar de saúde. Neste sentido, somos todos/as doentes e a saúde é sempre um ideal a ser buscado cada dia.
No mundo moderno, os Estados assumiram a consciência de que o cuidado com a saúde e sua proteção é um direito humano e toda sociedade tem obrigação de zelar pelo bem estar físico e psíquico de seus membros. Infelizmente, os governos de ideologia neo-liberal aceitaram diminuir os encargos do Estado e o Banco Mundial defende que os investimentos na saúde têm dois tipos de serviço: os competitivos, passiveis de financiamento (por exemplo, campanhas de vacinação) e os discricionários, oferecidos à sociedade, de acordo com a capacidade de aquisição das pessoas. Isso significa que, no dia a dia, a atenção à saúde tem de ser comprada no mercado. De fato, na maior parte dos países, se multiplicam os planos privados e se vende saúde, como se fosse Coca-Cola.
A Constituição Brasileira estabelece que “saúde é direito de todos e dever do Estado”. Depois de uma longa luta dos movimentos populares, a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), no início da década de 90, foi uma grande e maravilhosa conquista da sociedade brasileira. Poucos anos depois, o governo de Fernando Henrique Cardoso aprovou um plano de terceirização da saúde, mas, mesmo depois de mais de dez anos, este projeto continua questionado e não aprovado pelo Supremo Tribunal Federal. Alguns estados como São Paulo praticam um estilo sutil de terceirização. Dão a organizações privadas, denominadas de organizações sociais, a possibilidade de receberem todos os hospitais e equipamentos de saúde do Estado. O Estado investe e gasta, mas é o setor privado que administra. É impressionante como, mesmo neste sistema, se vêem sinais e testemunhos de generosidade humana, amor gratuito e doação por parte de médicos/as, enfermeiros/as e agentes de saúde. Entretanto, é claro que o sistema privado só cuida da saúde se tem lucros e benefícios, pois essa é a sua natureza.
As novas Constituições cidadãs, de países como a Bolívia e o Equador, legislam que o objetivo do Estado é aquilo que os povos andinos chamam de sumak kwasay, ou o “bom viver” (Constituição do Equador, artigo 14). É o equivalente à saúde no sentido de equilíbrio de vida e de paz. Saúde pública não pode ser mercadoria. Em ano de campanha eleitoral, é bom lembrar disso e votar não apenas por este ou aquele candidato e sim por um projeto mais humano e justo de país e de mundo.
(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.