teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio.

Creio não haver melhor maneira de celebrar a Páscoa do que narrar minha recente experiência em El Salvador celebrando o 30º aniversário do martírio de Monsenhor Oscar Romero. No dia 24 de março de 1980, às 6h da tarde, o arcebispo de San Salvador celebrava missa na capela do hospital do câncer onde residia. Imediatamente antes da consagração, a bala desfechada por um atirador de elite escondido atrás da porta traseira da capela atingiu o coração do pastor e matou-o imediatamente.

Calava-se assim a voz que defendia os pobres no regime cruel e sangrento que dominava El Salvador. E Monsenhor Romero passaria a estar vivo, a partir de então, no coração de seu povo, no qual profetizou que ressuscitaria, se o matassem. A celebração deste aniversário de sua morte, 30 anos depois, mostra que não é só em seu país que sua memória permanece mais viva que nunca, movendo corações e mobilizando pessoas e instituições.

Milhares de pessoas assistiam ao congresso teológico e participavam das caminhadas, peregrinações e celebrações em memória do mártir salvadorenho. Católicos e de outras igrejas cristãs. Vindos de várias partes do mundo.

Emocionados, levavam nas camisetas o rosto do pastor assassinado e frases suas: “Se me matarem, ressuscitarei no povo salvadorenho”; “Uma Igreja que não sofre perseguições, e que está desfrutando dos privilégios e o apoio da burguesia não é a verdadeira Igreja de Jesus Cristo”; “Frente à ordem de matar seus irmãos deve prevalecer a Lei de Deus, que afirma: NÃO MATARÁS! Ninguém deve obedecer a uma lei imoral”.

O que tem de especial esse bispo para mobilizar tanta gente? Certamente sua semelhança com Jesus de Nazaré. Sua vida e morte, coerentes até o fim, seu compromisso com os pobres e oprimidos até o sacrifício final, sua entrega radical e amorosa, seu coração evangélico, sem um laivo de ódio ou vingança, sua coragem que não tinha medo de expor-se para denunciar a injustiça e que lhe valeu a morte violenta que ele aceitou como graça e dom, em fidelidade ao Deus a quem entregara a vida. Seu testemunho, enfim: aí está o segredo de Monsenhor Romero.

Pastor amado por seu povo, amigo das crianças e dos pobres, era também homem de profunda oração. No “Hospitalito” onde vivia, passava horas em oração, enquanto preparava as homilias de fogo e paixão com as quais enchia de Evangelho o país e incomodava os poderosos. E ao mesmo tempo alimentava seu coração e encontrava forças para o ministério e a missão que Deus lhe havia dado.

A Páscoa de Jesus, triunfo nascido de seu aparente fracasso na morte de Cruz, reservada aos criminosos de grave delito, fora das portas da cidade, nos ensinam que da fraqueza Deus faz força e sabedoria e da aridez aparentemente sem fertilidade alguma, nasce e brota a vida que pareceria impossível. Assim também com Oscar Romero.

Sua vida e sua morte, há 30 anos nos ensinam que há pessoas que têm êxito e sucesso, como o mundo ensina. E há pessoas fecundas, que dão fruto. Essas são as que ficam e marcam a história, mobilizam os corações e fazem acontecer as mudanças que realmente importam. Que neste tempo pascal possamos aprender este ensinamento que nos dão Jesus de Nazaré e Oscar Arnulfo Romero.

FELIZ PÁSCOA PARA TODOS!

Maria Clara Bingemer é autora de “A Argila e o espírito – ensaios sobre ética, mística e poética” (Ed. Garamond), entre outros livros.
http://wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape/

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