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Esta semana começa com o dia pan-americano do índio e, no Brasil, é consagrada à solidariedade aos povos originais. Equador, Venezuela e Bolívia comemoram a consolidação de novas constituições nacionais, baseadas na sabedoria das culturas ancestrais. Elas se expressam em uma noção que os povos Aymara, Quétchua e Guarani chamam de bem-viver, profunda valorização da vida e de relações justas entre os seres humanos e com a natureza.

No Brasil, a população indígena é estimada em mais de 800 mil pessoas que vivem realidades sociais, étnicas e culturais distintas. Temos ainda alguns povos em situação de isolamento, principalmente na Amazônia Há outras comunidades que, no contato com a civilização dominante, já haviam perdido seus idiomas e culturas. Agora, estão em processo de retomada cultural e de fortalecimento da sua identidade. Há ainda grupos que vivem em periferias de grandes cidades, em situação de muita pobreza e dificuldades. Um ponto comum entre todos estes povos é a defesa de suas terras ancestrais, a valorização de suas culturas e do seu modo de pensar e viver. Apesar das contradições e dificuldades que envolvem todas as sociedades humanas, esta forma de ser e de conviver, original das culturas indígenas tem sido fonte de sabedoria para toda humanidade. Na América Latina, tem dado origem a novos processos sociais e políticos. Estes não se enquadram no rótulo tradicional dos velhos socialismos, mas criam condições novas de maior justiça e igualdade social.

Até poucos anos, no mundo inteiro, a sociedade dominante espalhava o dogma de que não havia alternativa ao sistema atual, baseado na competição, no lucro e na supremacia absoluta do mercado. Atualmente, mesmo depois do susto provocado pelo aparecimento da crise econômica que talvez ainda não chegou ao seu auge, o mundo enfrenta também outras crises estruturais, como um aumento descomunal da pobreza injusta, a crise alimentar cada dia mais grave, além da ameaça ecológica e de problemas com a água e com o aquecimento global. Em vários países, o número de pessoas desempregadas e com trabalhos precários questionam a eficiência e justeza deste modelo. Está na hora de voltarmos a aprender dos povos indígenas a convivência amorosa com a Terra, assim como cultivar relações de maior reciprocidade e colaboração em uma sociedade mais comunitária e solidária. Até poucos anos, as pessoas que entravam neste processo de aprendizagem intercultural ainda eram grupos minoritários e pouco influentes nas sociedades nacionais. Nos anos mais recentes, na Bolívia e no Equador, os povos indígenas articulados em organizações sociais pluri-culturais e seus aliados na sociedade civil conseguiram conquistar o poder político. Aprovaram novas constituições cidadãs que têm significado muito no plano da igualdade de direitos sociais, do respeito à Terra, à Água e à natureza. Ao testemunhar estes processos novos, emergentes em vários países, podemos acreditar que é possível outra organização de mundo, “dirigida para a satisfação das necessidades humanas e para a construção do Bem Comum” (Cf. Texto base da CF 2010, p. 11).

Para quem busca uma espiritualidade humana e ecológica, a cosmo visão indígena, subjacente a estes novos processos sociais e políticos, é comum a várias tradições espirituais da humanidade. Para os cristãos que herdaram a Páscoa de uma festa de veneração da natureza que renasce na primavera, esta reverência de amor à Mãe Terra e à natureza, assim como à irmandade dos povos da floresta e dos cerrados, é sinal da presença divina que nos chama a uma nova aliança cósmica. Os povos indígenas são como sacerdotes deste pacto amoroso. Mais do que nunca somos chamados a testemunhar o que, há trinta anos, Dom Pedro Casaldáliga afirmava: “O Verbo Divino se fez índio”. Hoje podemos acrescentar: “E como comunidades de nova inclusão e parceria, ele ressuscita e se revela vivo entre nós”.

(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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