Padre Beto 6 de abril de 2010

www.padrebeto.com.br

Certa vez, um jovem contava a um sábio o quanto ele era bom. Ele fazia regularmente doações aos pobres, visitava os doentes nos hospitais e os presos na penitenciária. O sábio, admirado com as boas ações do jovem, pensou um pouco e lhe disse: “Nossa, você parece ser realmente uma pessoa boa! Mas, mesmo assim, eu gostaria que você perguntasse aos seus pais o que eles acham de você, aos seus irmãos o que eles pensam sobre você, aos seus parentes o que eles esperam de você, aos teus vizinhos e colegas de trabalho o que eles comentam sobre você. Somente depois você pode vir e contar para mim o quanto você é bom!”

No Evangelho de Marcos afirma Jesus Cristo que “ninguém é bom senão Deus” (Mc 10,18), pois a perfeição só pertence ao ser transcendente que deu origem à vida. Justamente por ser imperfeito, o ser humano não é estático, mas se transforma durante sua existência e nesta possui uma grande chance de se desenvolver na direção do “bom”, que na verdade, é um desenvolvimento, consciente ou inconsciente, na direção de Deus. Mesmo que seu significado não seja muito claro, o bom, esclarece Aristóteles, constitui-se no objetivo para o qual todas pessoas desejam caminhar. O bom pode ser entendido como a felicidade completa, a plena realização do material humano. Assim, o bom pode ser compreendido como a nossa vocação última, o estado para o qual fomos desejados pelo Ser transcendente que chamamos de Deus. O desafio do ser humano é, porém, a descoberta do caminho, do desenvolvimento que pode ser vivenciado em sua vida individual e social. Nesta perspectiva, o bom se expressa em três diferentes formas que se completam: bonum utile (todo pensamento e ação que se manifesta como útil e importante para o desenvolvimento do ser humano e a manutenção de seu universo), delectabile (todo o pensamento e ação que causa prazer ou a sensação agradável de viver) e honestum ou bonum in se (todo o pensamento e ação que possui em si um grande valor). Estas três formas de vivenciarmos como pessoas que realizam o bem possuem seu início no desejo. O ser humano se torna bom quando suas intenções e, a partir destas, suas ações, se voltam e se destinam para o completar-se do humanum. O desejo é o impulso necessário para que o ser humano possa se desenvolver concretamente na direção do bom. Por isso, o primeiro passo para nos tornamos pessoas boas é o surgimento da compreensão correta, de uma consciência que nos leva a admirar e desejar o que é bom. Através desta consciência devemos chegar a uma convicção fundamental: não existe somente um eu individual. Em outras palavras, eu atinjo a consciência de ser bom, a partir do momento que compreendo que ninguém é feliz sozinho, mas a minha felicidade está intimamente ligada ao bem-estar das pessoas que me circundam (família, colegas de trabalho, grupo de amigos…) e da minha sociedade. O ser humano vive em uma grande ilusão ao acreditar que é possível construir um “céu” particular cercado de muros e fios elétricos. A felicidade consiste na construção do bem estar comum, de todas as pessoas de nosso universo social. Associado a esta verdade está também o fato de que o bom não significa algo abstrato. Ninguém é bom somente no mundo das idéias, por isso a consciência do bom deve obrigatoriamente nos levar a uma a atitude correta, a ações concretas que expressam a nossa boa vontade. É fácil, como também vazio, afirmar para nós mesmos que amamos o mundo. O amor é expressado através de atos e ações, e somente nestes sentimos verdadeiramente a sensação de que estamos no caminho de ser bom. Esta ação correta se inicia com o falar correto, ou seja, com a honestidade. Ninguém é bom se for desonesto. A honestidade é a expressão verbal do querer bem, do respeito às outras pessoas. Outra característica da ação correta é a não violência. Ninguém é bom agindo com violência em relação a seus semelhantes. Somos pessoas boas se possuímos um estilo de vida que não cause sofrimento aos outros. Ninguém é bom vivendo da exploração, do sacrifício e do prejuízo de seus semelhantes. Somente vivendo neste mínimo do ser bom (honestidade, não-violência e um estilo de vida que não cause sofrimento aos outros) é coerente partirmos para ações de solidariedade, de ajuda concreta a nossos semelhantes. Muitas vezes assistimos a caridade de pessoas, empresas ou instituições que não possuem como atitudes no seu dia-a-dia a honestidade, a não-violência ou o cuidado de não causar sofrimentos. Assim, a caridade torna-se hipocrisia e geralmente uma ação isolada que acaba sendo instrumentalizada para outros fins. O desenvolver-se no caminho de ser bom exige, portanto, uma percepção do presente, uma constante avaliação sobre nossas escolhas e nosso estilo de vida. “O que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada. Caminhando e semeando, no fim terás o que colher” (Cora Coralina).

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


busca
autores

Autores

biblioteca

Biblioteca

Entrelaços do Coração é uma revista online e sem fins lucrativos compartilhada por diversos autores. Neste espaço, você encontra várias vertentes da literatura: atualidades, crônicas, reportagens, contos, poesias, fotografias, entre outros. Não há linha específica a ser seguida, pois acreditamos que a unidade do SER é buscada na multiplicidade de ideias, sonhos, projetos. Cada autor assume inteira responsabilidade sobre o conteúdo, não representando necessariamente a linha editorial dos demais.
Poemas Silenciosos

Flickr do (Entre)laços
[slickr-flickr type=slideshow]