De eterno, além de Deus, o futebol. Aliás, o time de futebol. O mais é passageiro, desde o político que o eleitor consagra nas urnas, à mulher amada, que um dia foi amada, e, adiante, perdeu essa condição. Mas, o time de futebol, não, em absoluto, está presente no coração do torcedor desde menino, acompanhou-o quando foi se transformando em rapaz, está ao seu lado ao vê-lo tornado homem, permanecendo vivo quando a maturidade outonal já lhe faz companhia e diminui o seu passo.

Só o time de futebol não foi(é) riscado do seu coração de torcedor. Todos os demais valores, da política, da religião, da literatura, da vida amorosa, no cotidiano dos hábitos abandonados e adotados, sofrem as modificações dos tempos. Mas, o time de futebol, paciência, permanece vivo, as cores da camisa cada vez mais coloridas ante a sua visão de torcedor, a televisão ligada para ver o jogo do seu time, mesmo que esteja em fase negra. A esperança de vê-lo triunfar, uma vez sequer, não morre. É o complexo do gol de honra, para não ser de zero a derrota.

De Vinicius uma verdade filosófica: o amor é eterno enquanto dura. Dele, torcedor, poderia surgir uma verdade maior: o amor eterno é o seu, direcionado ao seu clube, amor único, amor sem comparações, amor que, diferentemente dos demais (sem necessidade de exemplificar), não sofre modificações com o decorrer dos anos, amor, que, diversamente do nutrido por seus ídolos políticos, permanece sempre vivo em seu coração, quer o time perca, quer o time ganhe. E, sendo torcedor do Flamengo, melhor ainda, porque a música já reza que uma vez Flamengo, sempre Flamengo, e, torcendo pelo Flamengo, o torcedor está propenso, ainda, a título de compensação, a ter uma negra chamada Tereza.

Não há ditadura maior que a exercida pelo time de futebol. O amor exigido é permanente e eterno. Não há lugar para tirar do coração o amor ao time. Quem torce por um clube, o faz a vida inteira, exclusivamente. A religião, ou a política do futebol, assim dita, porque futebol tem algo mais que religião e política juntas. O torcedor pode se retrair, quando seu time cai pelas tabelas. Mas, de longe, acompanha a queda, carregando no peito um misto de tristeza e frustração. Quando o time volta a ganhar, a camisa também retorna ao tremular anterior. O passado está morto. O interessante do futebol é o presente, é o jogo que terminou. Quem vive de história é livro e sala de troféus. O torcedor se alimenta é de vitórias, daquele dia, para regozijo seu durante toda a semana.

E, ainda há mais pimenta na carne: o amor eterno é pelo time. Não é pelo jogador, que muda de camisa, constantemente, e, mais tarde, pode estar fazendo aqueles gols contra o ex-clube. O jogador só é amado quando veste a camisa do clube do torcedor. Fora daí, se constitui em um perigo permanente, pela atuação que pode ser positiva. O atleta deixa o clube. Mas, o time continua, porque, afinal, este é que eterno.

Esse amor assume proporções gigantescas, dignas de um estudo mais profundo. Quando os doze ou treze pequenos clubes, criados e mantidos por portugueses, no Rio de Janeiro, na década de dez do século passado, se unificaram em um só, com o nome de Vasco da Gama, poderiam imaginar que, no final do mesmo século, em um lugar bem distante do Rio, isto é, em Itabaiana, em plagas sergipanas, um torcedor espalharia pelas paredes de sua casa retratos, do time e dos jogadores, e bandeiras, tudo do Vasco, e, depois, ao falecer, seu caixão seria coberto pela bandeira do Vasco, cujo hino, aliás, foi tocado em todo o velório e sepultamento, tudo seguindo suas últimas vontades? Quem bolou a camisa de cada clube poderia afirmar que o atleta, ao fazer o gol, beijaria o escudo, como forma de reverência, homenagem e ostentação? E aquele bar que fica na estrada que liga Aracaju a Estância, bem perto da entrada para Lagarto, com a veneração ao Palmeiras, retratos de várias épocas, toalhas, bandeiras, tudo homenageando o verde palmeirense, que agora também é azul?

Mas, no futebol, o amor não vem sozinho. A medida em que o torcedor ama seu clube, passa, em consequência, a odiar o time adversário, ou, melhor dizendo, os times adversários. São dois sentimentos, portanto, em linha paralela: o amor e o ódio. O primeiro, no desejo de ver seu time a ganhar de todo mundo; o segundo, na vontade de assistir a derrota do time rival. O flamenguista vibra com a vitória do Flamengo, ao tempo em que lastima a do Vasco. E vice-versa. Flamengo, Vasco, Fluminense e Botafogo, no Rio; Palmeiras, Corinthians, São Paulo e Santos, em São Paulo. A torcida de um se exalta quando o rival está perdendo.

A condição de torcedor exige que o adversário se liquide, seja com quem for. O adversário deve perder para todos os demais times, para que o torcedor, do outro clube, se considere satisfeito, porque a sua visão está voltada, simultaneamente, para o seu clube e para os rivais mais diretos. O amor e o ódio caminham juntos. O palmeirense e o corintiano não se toleram. Vascaínos e flamenguistas são inimigos inconciliáveis. O botafoguense adora ver o Flamengo perder e do Flamengo ganhar. É a norma do futebol. Não há como admitir que um vascaíno bata palmas para o triunfo do Flamengo e vice-versa. Futebol é amor e ódio, ao mesmo tempo. Quando o Vasco foi vice-campeão do mundo, a diretoria do Flamengo publicou nota irônica a respeito.

Gozação pura, como aquela que em revista de futebol, da década de cinquenta, do século passado, trazia. Insuperável. O Vasco perde. O português não abre sua barraca, na feira, mas coloca aviso para os fregueses: “Fichado. Fui pro raio”. Porque é para o raio mesmo que a gente vai quando o nosso time perde. De minha parte, tenho proclamado: a melhor coisa do final de semana é o Flamengo vencer no sábado, porque não corre o risco de perder no domingo.

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Publicado no Correio de Sergipe

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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