Malu Nogueira 20 de abril de 2010

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O dia se inicia. Estou novamente em minha terra, no coração do sertão nordestino, nas entranhas que o sol abre e deixa-a rachada, feito um torrão queimado.

Sinto vontade de ir ao campo, para sentir o cheiro da terra feita de barro misturado com pedra e massapé. Aquele solo arenoso que dá feijão, arroz, milho, jerimum, algodão. Faz-se a cova, um cavando e outro plantando, tudo com simplicidade para todos colherem.

Gostaria de ver o que a chuva regou com sua preciosa água, e a vida que renasceu nos peixes a inundarem o Rio Pajeú. De lá saem tilápias, traíras, curimatãs, tucunarés, piabas em abundancia. E o cururu que se incha para pegar um inseto, a rã que pula, assustando-me, o sapo que coaxa, o cabrito que berra, o carro de boi que geme. Ô coisas boas de se ver!

Essas mesmas chuvas trouxeram uma enorme variedade de capim: o buffel, elefante, mineirão, roxo, sempre verde e gramão para alimentar o boi, a vaca, o bode, a ovelha, o carneiro. E o milho que pendoou, virou semente, que alimenta a galinha, peru, pato e guiné.

Vejo que o transporte do sertanejo continua sendo o cavalo, o jumento, o burro e a égua. O burro puxa a carroça e o carro de boi é puxado por uma junta de bois. Tudo como antigamente. E o jumento, nosso irmão, como dizia Gonzagão, é o eterno símbolo do Nordeste. Continua a carregar a velha cangalha e um cassoá feito de cipó, dando uma grande ajuda ao matuto roçador.

O Sol não está inclemente e derrama, suavemente, um calor que alegra a paisagem sertaneja. O céu está limpo, com escassas nuvens no horizonte. Ouço, então, um canto sincronizado de diferentes aves, pinta-silva, pardal, concriz, golinha, galo de campina, maria fita, beija-flor, anun, sabiá, caboclo-lino, papa-capim, sibito, papa-sebo. Todos sob o comando do maestro celestial, entoam a mais bela sinfonia que o ouvido humano já ouviu.

Lá num canto, vi a casa de farinha, na qual encontrei beiju, goma, tapioca, beira-seca e peças de um engenho que há muito deixou de ser usado, além de arreios e latas de alumínio.

Fui de sitio adentro, na tentativa de ver preá, mocó, teju, teiú, camaleão ou um pequeno sagüi, mas nada. Será que, na volta, poderia encontrar algum tipo de cobra, como jararaca, cascavel, coral, amarela, verde, corre-campo, 24 horas, veado, salamandra, preta ou cipó? Ainda bem que vim saltitando e não vi nenhuma delas.

Por perto, só vi umbuzeiro, que estava meio verde, duas laranjeiras, pés de pinha, graviola safrejando, pelo chão caxixi, melancia, maxixe. Mais adiante, um pé de caju e, no final, uma parte de mata com aveloz, catingueira, marmeleiro, pereiro, catinga-branca, aroeira, baraúna, angico, bananinha, freijó, pau-d’arco, mororó e mulungu, também umburana-de-cheiro, juazeiro, jurema de cambão, jurema de imbira. Isoladas, ingazeira e jaramataia. Essas duas estavam às margens do Rio Pajeú, pois só lá florescem.

No outro lado divisei um pouco de mororó, pau-ferro, bom-nome, algaroba e goiabeira. Tudo muito preservado, para que as gerações futuras saibam as variadas formas da flora brasileira.

Vi que a terra só dá, quando é preparada com chuva e recebe a semente nas primeiras trovoadas para que no tempo de colheita haja batata, arroz, feijão e milho. E, quando esse ciclo se completar, a vida se renove e a jitirana surja. Esse vegetal é nada mais nada menos o maior dos nutrientes, a fim de que o gado forneça o leite abundante ao povo sertanejo, que vive do que a terra produz, com o seu trabalho.

Cansada, entrei na casa grande e tomei um copo d’água da quartinha. Nela havia, em seu gargalo, um pano bordado com uma carinha de gato. Na mesa vi rapadura, mel de engenho, farinha de milho, paçoca. Perto do canto da parede, estava um pote de barro, panelas, frigideira de barro.

E, pendurado num torno de rede, vi um gibão de couro, usado quando o vaqueiro vai correr na caatinga. Perto dele estava o búzio, feito do chifre de boi, usado para chamar homens e animais para perto de casa.

Contaram-me que a parede do açude fora feita na marreta, por uma junta de boi, que puxava um couro de boi cheio de terra e levava até a parede. Assim, ela foi levantada e socada. Um morador vizinho dera a idéia de fazer com jumento e uma caçambinha, abria, despejava a terra e voltava, até concluir tudo.

A casa grande foi feita com tijolos, medindo 35 centímetros de comprimento por 20 centímetros de largura. Rapidamente foi levantada, vez que não fora rebocada e o piso fora feito com ladrilho de tijolo e não cimentada. Hoje ela está toda rebocada e com um piso de cerâmica.

O curral estava cheio, com o gado a se alimentar, num ruminar interminável e ininterrupto. Todos vacinados, sem nenhuma marca de varejeira ou carrapato no pêlo limpo.

Respirei fundo, emocionada e feliz. Nem me incomodei com quem passava e nem entendia essa minha emoção. Era por estar ali e ser abençoada por aquele ar, por aquele chão que eu pisava. Em silencio, agradeci ao Pai o esplendor da natureza e por estar sentindo aquele instante.

Estava em casa, mesmo distante, continuo saudosa do chão onde nasci e do vento que me abraça e açoita meu corpo, sem temer o maribondo, o cavalo-do-cão, as abelhas ou as muriçocas que voam ao meu redor.

Estava em casa.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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