Padre Beto 20 de abril de 2010

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Segundo uma antiga lenda egípcia, o pequeno rio Nilo percorria uma linda região com grandes árvores, muitos pássaros e animais selvagens. O lugar era um paraíso e tudo permanecia em sua ordem. Até o dia em que o pequeno rio chegou ao fim desta região e se deparou com o deserto. Ao ver a quantidade de areia e a intensidade dos raios do sol, o pequeno rio sentiu medo: “A areia vai acabar me secando, os fortes raios do sol irão me aniquilar, eu poderei até me transformar em um pântano!” Nilo já estava se decidindo a ficar em seu pequeno paraíso onde ele conhecia tudo e não havia mudanças. Mas algo em suas águas profundas lhe dizia: “Confie no deserto! Somente através dele você chegará ao imenso oceano!” O pequeno rio, porém, receava: “Será que continuarei a ser eu mesmo? Será que não vou perder minha identidade? A minha vida nunca vai ser a mesma…” De suas águas profundas continuava a vir uma voz que afirmava: “De forma alguma, você pode continuar a ser o que é! A vida é mudança, quem vive se transforma!” O pequeno rio resolveu, então, confiar na voz que vinha das profundezas de seu leito e avançou pelo deserto. A vida do pequeno rio transformou-se radicalmente. Em pouco tempo, a paisagem do deserto tornou-se mais colorida com a presença das águas do rio e este se enriqueceu com o ambiente que o cercava tornando-se o grande rio Nilo. Um dia, finalmente, as águas do grande rio atingiram o oceano.

Para Max Scheler os valores que orientam a nossa vida são encontrados em nossos sentimentos. Aquilo que sentimos expressa o que realmente valorizamos. Antes do pensar e do querer, o ser humano possui como essência positiva o sentimento de amor. O ser humano é antes de tudo um “ens amans”, um ser amante. Em outras palavras, valorizamos aquilo que amamos. Todo o conhecimento, toda a assimilação de valores se fundamenta na capacidade de participar, de partilhar que, por sua vez, depende da potencialidade do amor. A escala de valores e sua ordem se formam através da “ordo amoris” da pessoa humana. Como afirma o filósofo alemão: “Conhecer a ‘ordo amoris’ de uma pessoa, significa compreendê-la realmente. A forma do cristal é para o cristal como o sujeito moral é para o ser humano”. Nós expressamos através do nosso estilo de vida aquilo que verdadeiramente somos e amamos. Porém, apesar das semelhanças, os seres humanos não são iguais. A pessoa humana é uma soma de diferentes características hereditárias, culturas e relacionamentos e possui durante o seu caminhar diferentes ações e reações (amar, pensar, querer…); por essa razão, cada pessoa é uma soma única que se modifica na sua forma e no seu ritmo. Assim, o que amamos e a maneira como expressamos este amor são aspectos particulares que diferem de ser humano para ser humano.

Nesta perspectiva, se torna um desafio para a vida em sociedade estabelecer regras que orientem a vida de todos os seres humanos. Sem dúvida alguma, podemos encontrar valores comuns que toda pessoa ama e preza como a vida, o respeito mútuo, o bem-estar geral. Mas, além dos poucos valores universais, a vida, como também os relacionamentos de cada ser humano, devem, na sua própria dinâmica, encontrar as regras que permitem o seu desenvolvimento. Se cada material humano é único, torna-se difícil estabelecer regras gerais. Um determinado relacionamento amoroso não pode ser comparado com outros. Ao terminar um namoro, por exemplo, as pessoas poderão ter aprendido com este relacionamento muito sobre o ser humano e isso contribuirá para suas futuras relações. Mas seria um erro tomar como critério uma experiência de namoro para orientar os próximos. Cada relacionamento terá sua dinâmica e deverá encontrar suas próprias regras, pois serão vivenciados por pessoas diferentes. A vida possui um único absoluto: a mudança. Nesta dinâmica da vida, o ser humano precisa se acostumar com as transformações e aprender a viver com elas e através delas. Na verdade, um ser humano torna-se verdadeiramente pessoa e atinge realmente a maturidade quando não mais reproduz o que seus pais, professores, padres, pastores ensinaram, mas desenvolve seu ser e constrói sua vida a partir de sua própria consciência, a partir de sua própria vontade. Sem dúvida é fundamental aprender com as experiências dos outros e este aprendizado deve nos ajudar na orientação de nossos próprios relacionamentos. Porém, a experiência dos mais velhos deve nos ensinar, acima de tudo, a descobrir que cada ser humano deve fazer seu próprio caminho. Afinal, experiências que foram negativas para gerações passadas não necessariamente deverão ser também negativas para as novas gerações. Não existe regra que determine como a vida deve ser. Por isso, faz muito bem para as pessoas de todas as idades refletir sobre a dinâmica da vida assistindo o filme “A Vida em Preto e Branco” (Pleasantville) do diretor Gary Ross. “Não se pode planejar o futuro pelo passado” (Edmund Burke).

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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