E AS CONTRADIÇÕES DA MODERNIDADE

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Uma das contradições da modernidade é que ela pretende se preencher a si mesma apenas pela razão, com resultados tecnológicos positivos, precisos, com dados controláveis por uma ciência mensurável a olhos nus.E, de fato,o que vemos é uma explosão do sagrado,muitas vezes até sob forma radical.Presenciamos a uma demanda de milagres, seja a nível popular,em lugares que já se tornaram clássicos na fé cristã, como Fátima e Lourdes. Também há um crescimento marcante daqueles grupos chamados de Seitas, que proliferam não apenas nas periferias das grandes cidades, mas, sobretudo, nos grandes centros.Fora do âmbito estritamente cristão ,sabemos como o mundo ficou chocado com o atentado de 11/09/2001.Lá, por causa de um ato fanático, a realidade islâmica foi repensada, não apenas sob a forma fundamentalista, mas tem sido ocasião de se estudar a sua essência.

Dentro desse contexto, podemos nos perguntar sobre o porquê da volta do sagrado nos nossos dias, em alguns casos até com uma extrema dose de fanatismo. Acredito, acompanhando alguns estudiosos do problema, que as atuais expressões religiosas, como os milagres,são o aspecto de um conjunto bem maior. É como se fosse a ponta de um imenso iceberg.

Os movimentos religiosos mais importantes , desenvolvem uma estratégia de ruptura com a ordem estabelecida que passa pela tomada de poder de forma revolucionária, enquanto que em alguns países eles aparecem sob a forma pietista, para transformar o sistema sem violência. Na ocasião da eleição do Primeiro Ministro polonês, Lech Wallensa, parecia indicar que a volta do sagrado sobre o cenário político era uma lógica conseqüência da queda do comunismo. A Polônia parecia mesmo servir de modelo e fonte de inspiração para a “segunda evangelização da Europa”, conforme a palavra de muitos representantes da Igreja Católica, sobretudo do Papa João Paulo II.Alguns querem ver nesses acontecimentos o fim do ciclo histórico da modernidade inaugurada pelas Luzes do século XVIII e caracterizada por uma emancipação de uma razão muito segura de si mesma em face da fé.

Entretanto,a crise de uma descristianização maciça que o Ocidente tem sofrido, esse espírito de secularização, pode, por outro lado,explicar o retorno da religião. O recurso à espiritualidade pode funcionar como uma resposta ao desencantamento engendrado pela crise das ideologias e pelo vazio espiritual de um mundo sob o signo da racionalidade técnica.

Não se deve fazer uma distinção apenas entre fé e não-crença, mas será melhor partir de três termos:fé, crença e não-crença.Na verdade,nós assistimos ao surgimento de crenças “irracionais” e o fenômeno de Deus volta por toda parte onde não se espera e,sobretudo, fora das igrejas oficiais.

O sagrado, revestido de variadas formas, tudo reaparece,atualmente, sob formas até primitivas, arcaicas, “selvagens”.Vê-se, com facilidade, que até intelectuais e cientistas se voltam para a astrologia e o esoterismo; os nossos cultos afro-brasileiros não são freqüentados apenas por descendentes de escravizados, mas por pessoas de outras procedências étnicas vão ali buscar alívio para os seus problemas espirituais e materiais.

As Ciências Sociais e Humanas e a própria Teologia, vêm que por trás dessa explosão religiosa e plural, escondem-se questões de extrema importância. Há uma velada crítica às igrejas tradicionais, formais, que teriam perdido boa parte do seu caráter iniciático, isto é, do seu mistério, permanecendo quase que somente caracterizadas por seu aspecto institucional na comunidade dos fiéis ( talvez tenham se tornado, por demais, religião de Estado…).

No Brasil,no Nordeste, particularmente, na Bahia, vivemos imersos num profundo sincretismo religioso – ele é o resultado de uma soma de sincretismos étnicos gerados pelo próprio modelo de ocupação da região, caracterizado pelo modo de produção escravista e pelo isolamento populacional. Essa acumulação mágica tem permitido ao homem brasileiro uma experiência religiosa de grande amplitude, envolvendo a crença na proteção dos santos católicos, no controle dos orixás, na cura xamanística dos caboclos, nas operações mediúnicas, na prevenção divinatória dos horóscopos e tarôs, numa angeologia esotérica.

O filósofo Horkheimer já dizia em 1935:”Com a passagem da nostalgia religiosa para a práxis social, sobrevive sempre uma ilusão, que pode ser refutada, mas não exorcizada. A humanidade perde a religião ao longo do seu caminho, mas ela não desaparece sem deixar vestígios. Em parte, os impulsos e desejos que a crença religiosa preservou, se desprendem da forma que os tolhia e ingressam, como forças produtivas, na prática social”.

Pode-se inferir daí que como impulso utópico (no sentido grego do termo) e como conseqüência dos limites, a religião tem um lugar assegurado na sociedade do conhecimento.

Sebastião Heber.Prof. Adjunto de Antropologia da Uneb, da Faculdade 2 de Julho. Membro do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e da Academia Mater Salvatoris.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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