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Se a ONU proclamou o dia 17 de abril como “dia internacional da luta camponesa”, um 1º de maio dos camponeses, é porque reconhece, no aniversário do massacre dos lavradores sem-terra de Eldorado de Carajás no Pará (17 de abril de 1996), um marco para a luta dos camponeses do Brasil e do mundo inteiro. Apesar de que, no Brasil, movimentos populares e especialmente de lavradores pobres continuam sendo discriminados socialmente e até criminalizados por certos órgãos de imprensa, organismos internacionais idôneos e extremamente respeitados têm reconhecido os benefícios imensos que a caminhada dos lavradores sem terra e dos pequenos proprietários tem significado para o campo brasileiro. A revalorização das sementes crioulas, a promoção da agro ecologia e a instauração de eficientes cooperativas camponesas têm respondido à esperança de todas as pessoas que trabalham por um mundo mais justo e em mais profunda comunhão com a natureza. Neste ano, a Campanha Ecumênica da Fraternidade, coordenada por sete Igrejas cristãs brasileiras, propõe a valorização da economia solidária e de cooperativas de crédito e de produção para a promoção de uma melhor distribuição de renda no Brasil. Ora, onde há mais cooperativas deste tipo e onde elas são mais eficientes tem sido no campo e coordenadas pelo Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST). Entidades européias, muito bem informadas e competentes na defesa dos direitos humanos, têm conferido prêmios internacionais prestigiosos ao Movimento dos Trabalhadores pela prioridade que este movimento dá à educação e, concretamente, aos êxitos que tem conseguido neste setor.

Apesar de todas as dificuldades, este movimento e outros movimentos populares no campo continuam e têm sido importantes para que os governos possam legalizar ocupações e assentamentos reconhecidamente justos e assim contribuir para uma reforma agrária que é essencial para o nosso país.

Desde 1987 até os nossos dias, Miguel Carter, mexicano professor da American University, nos EUA e pesquisador da Columbia University, percorreu mais de 160 mil quilômetros pelos rincões do Brasil. Agora, nos Estados Unidos e no Brasil, ele lança um livro que resulta de sua pesquisa científica sobre o tema da urgência de uma nova justiça agrária no Brasil. Em entrevista à revista Carta Capital, ele declara: “A disparidade de renda custou ao Brasil ao menos 0, 66% do PIB todos os anos. Se o governo brasileiro tivesse feito uma verdadeira reforma agrária, teria crescido 17, 2% a mais entre 1960 e 1985. (…) A reforma agrária pode contribuir para a redistribuição das riquezas, além de evitar o êxodo rural e estimular o desenvolvimento local. O Brasil poderia seguir o exemplo de diversos países asiáticos que há décadas fixaram limites para o tamanho da propriedade rural. Na Coréia do Sul é de três hectares. No Japão, varia de um a dez hectares, conforme o acesso á irrigação. (…) Já no tempo do império, Joaquim Nabuco e outros liberais já falavam na necessidade de uma reforma agrária no Brasil, mas essa discussão sempre foi barrada. A elite agrária brasileira é um setor muito forte e com interesses contrários a isso. Na década de 30, Getúlio Vargas deu direitos aos trabalhadores urbanos, mas nem sequer permitiu a legalização dos sindicatos rurais. (…) O governo sempre favoreceu a elite rural. Entre 1995 e 2005, 22 mil grandes proprietários receberam do governo federal algo em torno de 58, 2 bilhões de dólares, ao passo que, no mesmo período, mais de 6, 1 milhões de camponeses receberam apenas 10, 2 bilhões” (Cf. Carta Capital, 11/04/2010).

Esta última estatística surpreende mais quando se sabe que mais de 70% da comida consumida pelo povo brasileiro vem da pequena agricultura familiar e não do agronegócio que existe preponderantemente para a exportação. O Dr. Miguel Carter conclui sua entrevista afirmando: “O MST cria verdadeiras escolas de cidadania. As pessoas de fora (estrangeiras) entendem melhor essa dinâmica do que vários intelectuais brasileiros que vêm uma ocupação de terra incultivada apenas como desrespeito ao Estado de direito. Não entendem que a luta pela democratização implica choques desse tipo. Às vezes, é preciso violar certas leis em razão de um princípio maior. Os movimentos sociais não são inimigos. São arquitetos de uma nova ordem jurídica”.

Ainda nos anos 70, bispos santos e proféticos como Dom Hélder Câmara e Dom José Maria Pires diziam: “Nem sempre o que é legal e justo e às vezes o que é justo não é legal”. Se fossem cumprir ao pé da letra todas as leis da época, nem o Mahatma Gandhi teria libertado a Índia, nem o pastor Martin-Luther King conseguido o fim das leis raciais que, nos Estados Unidos, proibiam negros de sentar em um coletivo, ao lado de brancos ou de aceder a certos cargos públicos. Aos cristãos de Roma, Paulo escreveu: “Não vos conformeis com este mundo (seu sistema e suas leis), mas transformai-o” (Rm 12, 1ss). O evangelho de Jesus diz: “Procurai o reino de Deus e sua justiça e tudo o mais virá por acréscimo” (Mt 6, 33).

(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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