Você me perguntou porque é que, apesar de fazer tantos cursos de liturgia e de formação litúrgica, eu não repasso esses conhecimentos através do Blog Entrelaços do Coração?

Vou tentar explicar: Liturgia é acima de tudo vivência e participação. A simples explicação ou repasse se tornaria em mera informação de ritos litúrgicos que necessitam de serem vivenciados para que através deles, a liturgia fale fale por si mesma. Assim, para apreender o verdadeiro sentido dos ritos litúrgicos, melhor do que falar ou ensinar liturgia é poder vivenciá-la na inteireza do ser, ou seja, com a mente, o corpo e o espírito, participando ativa e conscientemente das próprias celebrações litúrgicas.

Conforme aprendemos, o cerne da liturgia reside no mistério Pascal de Cristo. É este de que trata a liturgia. É essa memória, não apenas lembrada, mas atualizada ao momento presente, através da ação ritual litúrgica. Tomo como exemplo a Eucaristia, cuja celebração, não se trata de uma simples repetição do acontecimento histórico, mas de trazê-lo presente, atualizando-o na ação litúrgica, em que, pela força do Espírito Santo, é tornada real a palavra de Jesus na última ceia: “Isto é o meu corpo”. “Isto é o meu sangue”, presentes na Eucaristia. Vale lembrar que, durante a Celebração Eucarística (Missa), Jesus está presente, também, na assembléia ali reunida em seu nome; na Palavra proclamada através das Leituras, do Salmo e do Evangelho; e em quem preside a celebração, pois o faz in persona Christi. Assim é que, quando a assembléia se reúne para celebrar a Eucaristia, ou para a celebração da Palavra, pela sua participação ativa e consciente, ela vivencia e participa do Mistério Pascal de Cristo.

Da mesma forma, quando recebemos o Batismo, somos mergulhados na morte de Cristo e somos ressuscitados com Ele, tornando-nos membros do seu corpo místico que é a Igreja, da qual Cristo é a cabeça. Isso nos confere a dignidade de povo sacerdotal, não só participantes, mas, também celebrantes com o próprio Cristo, do seu Mistério Pascal, juntamente com o sacerdote que preside a celebração. Como se vê, também, através da ação litúrgico-sacramental do Batismo, somos participamos do Mistério Pascal de Cristo.

Por sua vez, a liturgia está intimamente ligada à teologia e à Bíblia. Os ritos simbólico-sacramentais carregam em si profundo sentido teológico, aliados aos fundamentos bíblicos de onde se originam. Em boa hora, o Concílio Vaticano II veio resgatar essas raízes bíblico-teológicas da liturgia, fazendo-nos descobrir e conhecer a riqueza desses fundamentos, o que nos proporciona uma melhor compreensão do sentido de tudo o que vemos, fazemos, cantamos e rezamos e vivenciamos na liturgia, tendo em vista que “a liturgia é o cume e a fonte da vida da Igreja” (SC 10) e por via de conseqüência, adentra, também, na nossa própria vida.

Em vista disso, e sendo o meu conhecimento sobre liturgia menos teórico e mais vivencial e pastoral, prefiro não adentrar na seara dos teólogos, exegetas e liturgistas. Mesmo porque, para tanto, teria que estudar e pesquisar as origens e fontes da liturgia, os ensinamentos colhidos da Patrística e os documentos pós-conciliares do Concílio Vaticano II, especialmente a Sacrossanto Concílio que é a Constituição sobre a Sagrada Liturgia e primeiro documento do referido Concílio. Por isso é que optei por falar sobre a vivência espiritual, através da participação consciente na liturgia,

Por outro lado, não podemos nos apropriar da liturgia para adaptá-la à nossa opinião pessoal ou aos interesses das diversas comunidades. Ao lidarmos com os ritos sagrados, temos que observar e estar em sintonia com o que diz a Igreja, através de seus documentos e das diretrizes deles emanadas.

Entretanto, isso não significa que a liturgia deve ser engessada ou petrificada numa ritualidade formalística. É verdade que há na liturgia, “uma parte imutável, de instituição divina, e outras sujeitas a modificações, que podem e devem variar no decurso do tempo . . .” (SC 21). “Mantida a unidade substancial do rito romano, admitem-se, na própria revisão dos livros litúrgicos, legítimas variações e adaptações aos diversos grupos, regiões e povos …” (SC 38). Assim, no sentido de melhor ajudar a compreensão e participação da comunidade, a Reforma Litúrgica veio abrir espaço para a inculturação na liturgia, aproximando-a da vida e dos anseios do povo. “É a Páscoa de Cristo na páscoa do povo”.

Sobre o aspecto da formação, nos cursos de formação litúrgica, nós não nos limitamos apenas a estudar e intelectualizar os conteúdos, mas, ao mesmo tempo, a vivenciá-los, praticando o que estudamos, não como meros assimiladores, mas, interiorizando, e expressando com verdade, sentimento e espiritualidade, a prática litúrgica. Dessa forma, vivenciamos a liturgia na inteireza do ser e mergulhamos no seu sentido mais profundo que é o Mistério Pascal de Cristo. Fora disso, a participação na liturgia significará, tão somente, uma celebração ritual ligada à nossa tradição religiosa.

A propósito, estamos, vivendo o Tempo da Quaresma que é o prenúncio para o Tempo da Páscoa, em que através do Tríduo Pascal, celebramos a Paixão, Morte e RESSURREIÇÃO de Cristo. Este mistério da nossa fé é o cerne de toda a liturgia e tem o seu ápice na Resurreição de Cristo, sem a qual, “vã é a nossa fé”, segundo o apóstolo Paulo.

Contudo, em que pese a incisiva afirmação do apóstolo Paulo, essa questão não chega a interpelar a consciência dos que admitem ser cristãos. Daí, o que se vê é o completo descaso para com tudo o que diz respeito à fé, à prática religiosa, resultando, em conseqüência, o total desinteresse pelo mistério central da nossa fé, celebrado na liturgia. Essa realidade se mostra, claramente, durante a Semana Santa em que a Igreja celebra o Tríduo Pascal: Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo. Infelizmente, é nesse tempo essencialmente penitencial, quando ocorre a fuga em massa dos cristãos para lugares de repouso e principalmente de lazer, ou para os paraísos de consumo, ou para os espetáculos, ditos religiosos, transformando, dessa forma, o Tempo Pascal, em oportunidade de lazer profano e reduzindo-o à reles troca de ovos de chocolate, que nada, absolutamente nada, tem a ver com a Páscoa de Cristo.

Portanto, embora as considerações aqui trazidas, não tenham se constituído repasse de conteúdo litúrgico e muito menos assumido o caráter de ensinamento sobre liturgia, espero ter de alguma forma respondido a pergunta que me foi formulada, ao tentar transmitir a experiência litúrgica vivenciada por mim, através da participação consciente nas celebrações litúrgicas, bem como, no trabalho pastoral destinado à participação da assembléia e da comunidade no Misterio Pascal de Cristo. Diante disso, restou evidente que o simples repasse de informações não reflete a exata dimensão da liturgia, que necessita de participação e vivência para ser entendida em seu verdadeiro sentido espiritual.