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Em todo o Brasil, principalmente onde a tradição católica é mais forte, esta semana é marcada por antigos ritos da Quaresma e pela preparação da Semana Santa. Em várias cidades do Nordeste, no Rio de Janeiro e no Centro-oeste, como em Planaltina de Goiás, intensificam-se os ensaios para encenações da paixão de Jesus e de seu caminho da cruz.

Na linguagem corrente, paixão denota um impulso afetivo de amor quase descontrolado. Desta palavra, derivam termos como “estar apaixonado”. É bom lembrar isso, quando falamos da paixão do Cristo. Conforme o testemunho transcrito nos evangelhos, ele “tendo amado os seus que estavam no mundo, foi até o extremo que o amor pode ir” (João 13, 1). Este caminho foi o da paixão, no sentido de entrega de sua vida. Ele não quis morrer e nem fez da morte um ato isolado de sacrifício. Menos ainda de masoquismo pessoal ou de quem gosta de sofrer. Os evangelhos contam que, diversas vezes, fugiu para não ser preso. Nos dias em que foi a Jerusalém para celebrar a festa da Pásco a, se escondia e vivia como clandestino (Cf. Jo 7, 10 e 11, 53- 54). Mas, toda a sua vida, suas ações e palavras foram a manifestação deste amor solidário. Para que o projeto divino de paz, justiça e irmandade pudessem triunfar na humanidade e na relação do ser humano com o universo, ele optou por ser coerente com a causa de Deus até a doação da vida.

A Semana Santa não é mero aniversário da morte violenta de Jesus. Na quinta feira santa, as comunidades cristãs recordam a noite em que, ao pressentir que iria ser preso, Jesus ceou com o grupo dos discípulos e discípulas. Deu-lhes a partilha do alimento como sinal de sua presença e de sua aliança permanente. Indicou, assim, o sentido da sua herança à comunidade humana como disposição de amor e doação incondicional. Na sexta feira santa, ao lembrar o dia em que Jesus foi crucificado, proclamamos que Pai lhe deu o triunfo sobre a morte e a força da ressurreição. Na noite do sábado ou madrugada do domingo, com as comunidades judaicas, os grupos cristãos fazem a vigíl ia pascal. Como dizia Santo Agostinho, esta vigília é “a mãe de todos os cultos cristãos”. É a mais importante celebração da Igreja. Nela, louvam a Deus por todos os sinais de sua passagem pelo mundo. Relembram a criação do universo, a iluminação divina a todos os povos, nas mais diversas culturas e religiões. Reconhecem o amor e a força do Espírito presente e atuante em todos os processos e caminhadas de libertação, desde a época em que os hebreus saíram do Egito até os atuais processos de libertação que as comunidades vivem em nosso continente. As comunidades ligam tudo isso à proclamação da ressurreição de Jesus Cristo, renovam o seu batismo e se alegram com a intervenção divina para garantir a vitória da causa de Jesus. Ao atualizar a causa pela qual Jesus deu a vida, o amor divino tem a última palavra. Deus derramou sobre Jesus o seu sopro de vida nova, Espírito de compaixão e energia de ressurreição. Esta força de amor solidário é partilhada com todas as pessoas que aceitam viver a sua causa e seguir a sua inspiração.

Desde o início deste ano de 2010, testemunhamos, no mundo, graves transtornos ecológicos. Diariamente, somos alertados sobre terremotos e inundações, assim como em outros lugares, o motivo de preocupações é a seca que assola regiões inteiras e ameaça a sobrevivência do ser humano e dos animais. Desde épocas imemoriais, o planeta Terra conhece épocas de crises e convulsões climáticas. A diferença destes abalos atuais é a freqüência com que estão ocorrendo e a sua intensidade e força de destruição. São sinais claros de que a ação humana, ao destruir a natureza, tem uma parte de responsabilidade neste desequilíbrio. Os antigos pastores das Igrejas ensinavam que o primeiro sinal da ressurreição de Jesu s é a renovação da vida no universo. No hemisfério norte, a Páscoa assinala o início da primavera. É o salto da natureza do frio do inverno para a alegria da vida que brota do degelo das águas e do verde que se espalha pela terra. Por isso, mais do que nunca, a celebração desta Semana Santa e da Páscoa não pode ficar restrita ao culto, mas deve assumir a forma de um compromisso efetivo pela defesa da vida e da integridade do planeta. Um santo antigo dizia: “É quando vemos a natureza renovada e as pessoas unidas que podemos garantir: Deus ressuscitou Jesus e com ele o universo inteiro”.

(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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