Padre Beto 23 de março de 2010

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Certa vez, um discípulo aproximou-se de seu mestre e perguntou: “Mestre, o que significa pecado social?” O mestre pensou por alguns instantes e respondeu: “Vamos supor que você é proprietário de uma grande embarcação. Com ela, você já está viajando há dias em alto mar tendo a bordo muitos tripulantes. Em uma determinada manhã, você arruma uma furadeira, se dirige ao porão e começa a fazer um buraco na embarcação. Ao perceber a tua ação, os tripulantes irão, com certeza, protestar. Mas, você responderá a eles que o barco é seu e o que você faz com ele não é da conta de ninguém. Se os tripulantes forem conscientes, irão te prender e só te libertar quando todos estiverem a salvo em terra firme. “

Como todo ser de nosso universo, nós humanos vivemos na polaridade entre ato e potência. Estes são elementos que possibilitam a existência e o desenvolvimento de todo ser finito. Através da dinâmica entre ato e potência existe a possibilidade do tornar-se, do vir a ser. Todo ato constitui-se na realização da potência e esta na real possibilidade do ato. O ato é a visualização de toda a potência e possui em si uma quantidade de perfeição, ou seja, a potencialidade de estar em constante aperfeiçoamento. Por sua vez, a potência pode ser ativa ou passiva. Ela é passiva quando possui a capacidade real de receber um ato e ativa quando tem o poder de provocá-lo. A potência ativa exterioriza através de atos todo tipo de fazer (pensar, movimentar a mão,…) e com este normalmente transforma seu universo (uma pintura, a construção de uma casa…). Toda potência compreende um ato pois pela lei de causa e efeito todo ser surge de um outro ser. Como também, para toda a potência ativa existe uma passiva, ou seja, diante de toda ação existe uma recepção: o ensinar compreende obrigatoriamente o aprender. Para Tomas de Aquino ato é sinônimo de realidade e potência de possibilidade. Para todo ser, durante o seu existir, sempre se coloca a questão: ser ou não poder ser, transformar-se ou não transformar-se, realizar ou não sua potência em ato. Uma pedra possui como potência o tornar-se uma estátua. Se um escultor a lapida, ela atinge através de um ato a forma que possuía em potência. Apesar de ser estátua, sua existência não cai na estagnação, mas continua a ter uma possibilidade: tornar-se pó. Potência é o que está contido na matéria e pode vir a existir, se for atualizado por alguma causa. A criança é um adulto em potência, a semente uma árvore. O ato é a atualidade da matéria, isto é, sua forma num dado instante do tempo; o ato é a forma que atualizou uma potência contida na matéria. O adulto é o ato da criança, a árvore é o ato da semente.

Para Kierkegaard, ato constitui-se no próprio agir da pessoa humana, ou seja, ele é todo fazer, no qual o ser humano é totalmente ele mesmo ou através deste se realiza como pessoa. Somente através do ato, o ser humano está aqui ou existe realmente, por isso o ato humano pode ser chamado de “ato existencial” ou simplesmente de “existência”, afinal o existir nada mais é que a realização sucessiva de atos. O ideal para todo ser humano é que seu ato venha a ser realizado através de sua vontade. Graças à sua natureza racional, o ser humano deve ter condições de se desenvolver interagindo com seu universo em liberdade. O que ele é e pode ser, porém, pode sofrer alterações por fatores sociais, econômicos ou psicológicos. O desafio do ser humano constitui na superação destas dificuldades e na realização, em uma possível liberdade, de sua potência. Apesar de todos os condicionamentos e dificuldades que o meio lhe apresenta, em última instância, depende do ser humano o quanto ele se realiza, como ele se realiza e o que ele realiza como pessoa. O fundamental é compreender que sua existência está na esfera dos atos. São os atos que determinam e definem o existir humano. Nenhum ser humano vive em uma realidade de sonhos, fantasias ou devaneios. Nós nos definimos principalmente nos atos concretos que realizamos ou deixamos fazer. Neste sentido o provérbio latino “Age quod agis” (faze o que fazes), nos recomenda a concentração necessária na realização de nossos feitos para que a empreitada tenha êxito. É importante a reflexão sobre nossos atos, pois deles dependem nosso presente, futuro e o que será nossa história de vida. Muitos atos, porém, nunca são isolados, muitos deles possuem repercussões no coletivo e ajuda na construção de uma história social. Para o bem ou para o mal, o ato de mais interferência na vida é o político, pois afeta a vida de todos, interferindo na organização da sociedade. Que possamos realizar muitos atos conscientes, que eles sejam a atualização de belíssimos sonhos e que cada vez mais nossos atos possam influenciar positivamente em nosso coletivo.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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