A próxima semana começa pela comemoração do dia internacional da mulher (08 de março). Recorda que em Nova York, ainda no século XIX, (1857), um grupo de mulheres foi assassinado por reivindicar melhores condições salariais e o direito ao voto. Mais de 150 anos depois, em quase todos os países do mundo, estão garantidos o voto das mulheres e o seu acesso aos outros direitos civis. Mulheres assumem a liderança de instituições educativas, empresas e até de governos. No Brasil das eleições deste 2010, pelo menos duas mulheres concorrerão ao pleito como candidatas à presidência da República.
Apesar dessas conquistas, ainda é muito necessário comemorar um dia internacional da mulher. Em uma sociedade sem machismos, este dia não teria sentido. Homens e mulheres considerariam seus todos os dias do ano. Gozariam dos mesmos direitos. Seriam avaliados sob os mesmos critérios e teriam as mesmas obrigações sociais. Entretanto, na maioria dos países e no Brasil, isso não é assim. Disfarçada ou não, ainda há muitas discriminações. Em todas as cidades brasileiras, as delegacias da Mulher registram diariamente violências e assassinatos nos quais a vítima é mulher e por ser mulher.
Outro dia, eu e um casal amigo, olhávamos, em uma emissora de televisão, líder de audiência no país, as notícias da manhã. O apresentador tinha, evidentemente, mais de 70 anos. É âncora do jornal com uma moça jovem e dentro dos padrões de beleza convencional. Minha companheira concluiu: “Um senhor desta idade tem possibilidade de ter esta função. Mas, qual a emissora de televisão brasileira, na qual uma mulher de mais de 70 anos é apresentadora de algum telejornal?” Temos maravilhosas artistas de teatro, cinema e televisão que já completaram 80 (Viva Fernanda Montenegro e outras companheiras), temos apresentadoras de programas de auditório, mas as mulheres ainda têm de lutar muito para garantir os mesmos espaços que os homens e em condições de igualdade nas diferenças próprias a cada gênero.
A igualdade na relação de gêneros é causa comum a mulheres e homens. Somente assim, todos os seres humanos, de ambos os sexos, se libertarão de suas armaduras de medo e se tornarão cúmplices na busca de uma felicidade compartilhada sem algozes, nem vitimas.
Para quem é cristão, é feliz coincidência que o dia internacional da mulher, (08 de março), ocorra em plena celebração da Quaresma, tempo de revisão de vida, renovação interior e de mentalidades.
As Igrejas cristãs e outras religiões têm uma dívida histórica e moral com a causa da igualdade social e da relação de gênero. Muitas têm sido cúmplices do patriarcalismo vigente e o praticam em nome de Deus. Quem se deixa guiar pelo Espírito, qualquer que seja a sua tradição religiosa, sabe que a desigualdade ou discriminação, seja de gênero, racial ou social são anti-espirituais. Mexem profundamente com a pessoa, não apenas por sua ideologia política ou sensibilidade social. Mas, principalmente porque – mesmo no clamor calado da mulher oprimida, do negro discriminado, do índio ignorado ou da pessoa excluída de seus direitos sociais básicos – quem é atento à voz do Espírito escuta o próprio grito do Cristo na cruz e o gemido de Deus solidário com quem sofre.
Em geral, a insensibilidade não é fruto da ignorância. Infelizmente, as pessoas sabem o que está acontecendo. Vêem crianças abandonadas, mulheres agredidas e as pessoas pobres humilhadas. Aceitam o que consideram inevitável. O filme O Julgamento de Nuremberg, feito por Hollywood em 1961, coloca a questão se o povo da Alemanha e mesmo as pessoas cristãs sabiam do que estava acontecendo nos campos de concentração, quando os nazistas assassinaram seis milhões de prisioneiros, sem poupar mulheres nem crianças, pela única razão de serem judeus. A resposta foi que todos tinham condições e sinais indicativos de que aquilo estava acontecendo. Não sabia quem não queria saber. Um dia, poderá haver um equivalente a este julgamento da história com relação à violência atual, cometida contra tantos irmãos e irmãs ao nosso lado. Então, seremos julgados por convivermos com uma realidade na qual, cada dia, em bairros pobres de várias cidades brasileiras, as pessoas convivem com cadáveres e violências policiais nas ruas. O Brasil ainda ostenta a terceira pior desigualdade social do mundo.
Nesta semana em que o mundo inteiro será mais sensibilizado para a causa da igualdade de gêneros, recordemos o que disse sua santidade, o Dalai Lama: “Todos temos de desenvolver a capacidade de empatia recíproca que, interiormente, cada pessoa possui. É a incapacidade de suportar o sofrimento da outra pessoa. Só a solidariedade compassiva salvará o mundo”.
(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.
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