Marcelo Barros 15 de março de 2010

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Embora não tenha ganhado os prêmios do Oscar que muitos esperavam, o filme Avatar continua mobilizando multidões, de James Cameron que, nele, ousou em terceira dimensão, uma nova linguagem cinematográfica e incorporou a um filme de aventuras e diversão as preocupações da humanidade com a Ecologia e o respeito às culturas tradicionais dos diversos povos originais, acima dos interesses empresariais e violentos dos conquistadores e negociantes de plantão.

Dias antes desta premiação, o governo de Israel anunciou que ocuparia militarmente dois monumentos sagrados, milenarmente situados na faixa de terra reconhecida, por direito internacional, como solo do povo palestino. Até ali, estes monumentos, venerados por muçulmanos, cristãos e judeus, eram abertos a todas as pessoas, de quaisquer religiões que sejam. O Estado de Israel decidiu ocupá-los militarmente e impedir os palestinos de os freqüentarem. Jovens palestinos se pintaram de azul como os na´vi do filme de Cameron e iniciaram novo movimento de protestos e resistência. Câmeras internacionais captaram o ar de esperança daqueles rapazes. No mundo inteiro, espectadores vibraram com Avatar e torceram pelo povo invadido e ameaçado em sua sobrevivência. Será que estes mesmos se solidarizarão com a causa justa dos palestinos, ou se deixarão comprar pelo ouro norte-americano?

Quem acompanha as notícias cotidianas se espanta com a ocorrência ininterrupta de enormes catástrofes ecológicas que se sucedem com uma intensidade nunca vista e uma freqüência assustadora. Terremotos atingem, ao mesmo tempo, o Haiti, no Caribe e, na América do Sul, o Chile. Inundações assolam o sul do Brasil e o Peru, assim como Uganda na África e a Austrália, na Oceania. Em eras antigas, a Terra já tinha sido transtornada por fenômenos geológicos terríveis. A Era do Gelo mudou a vida no planeta. Gigantescos terremotos distanciaram continentes, antes unidos. Catástrofes ainda desconhecidas acabaram com os dinossauros e grandes répteis que dominavam o planeta. A diferença entre os fenômenos antigos e os atuais é que os transtornos recentes têm sido, ao menos, antecipados pela ação humana, imprevidente e descuidada. Na ficção cinematográfica, agora premiada, os na´vi de Pandora contaram com a solidariedade dos avatares e seus modelos originais (o militar e a cientista) que romperam com os interesses colonialistas de seus companheiros “civilizados”. No mundo real, embora, em vários países do continente latino-americano, representantes de povos indígenas têm se unido na defesa e na cura da Mãe Terra doente, estes na`vi ainda não conseguiram se articular suficientemente com os aliados possíveis que somos todos nós.

Igrejas e religiões começam a planejar campanhas de solidariedade à Terra e à ecologia. Fóruns se articulam para mobilizar a sociedade civil internacional. Nas escolas, desde logo, as crianças e jovens precisam ser educadas. Não há tempo a perder. É importante que descubramos: somos todos avatares. E precisamos tomar consciência disso, antes que seja tarde demais.

Obs: Texto enviado em 08.03.2010


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AS ÁGUAS DA VIDA OU DA MORTE
Marcelo Barros(*)
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O ano de 2010 começou com inundações em vários lugares do mundo (Peru, sul do Brasil, Uganda e outros países). Ao mesmo tempo, outras regiões sofreram secas terríveis. Também terremotos gigantescos devastaram o Haiti, o Chile e, agora a Turquia. Ameaçam ainda países do sudeste asiático. Há quem, diante de tantas tragédias, se pergunta “onde está Deus que não impede tantos sofrimentos e não socorre tanta gente pobre, indefesa e inocente”. Esta imagem de um deus todo-poderoso do qual tudo depende e que sem cujo querer nada ocorre nos foi passada pela formação tradicional nas Igrejas. Mesmo a Bíblia, muitas vezes, foi lida e relida nesta perspectiva. Atualmente, cada vez mais aumenta o número de pessoas que sabem: no mundo, muitas coisas ocorrem ao contrário do que Deus gostaria que acontecesse. Nós, discípulos e discípulas do seu amor, nos propomos a trabalhar e lutar pacificamente para transformar este mundo, de modo que a sua vontade divina seja feita em nós e em todas as suas criaturas. Jesus nos ensinou a orar diariamente: “Que venha sobre este mundo o teu reinado divino e a tua vontade seja feita”.

De acordo com muitas religiões antigas, a Palavra divina se uniu ao sopro amoroso da divindade e criou todo o universo. Sua presença em nós e em cada ser recria e atualiza cada ser em seu caminho de vida. De acordo com a Bíblia, o ser humano recebeu o próprio hálito divino para viver amorosamente. A tradição judaica conta que todos os seres vivos receberam faíscas de sua divindade. Alguns mitos indígenas contam que o primeiro sorriso divino se deu com as águas. A divindade sorriu de felicidade, quando contemplou a beleza das águas, sua primeira criação, útero de toda a vida no planeta Terra. Mesmo os cientistas concordam que a vida surgiu de dentro das águas. Há milhões e milhões de anos, os seres humanos e os grandes mamíferos evoluíram de seres aquáticos. Esta noção de evolução, em nada, diminui ou desvaloriza a contemplação da ação amorosa divina que está por princípio (expressão bíblica do Gênesis) e por trás ou no plano mais íntimo de cada ser criado.

Se esta crença é verdade, a divindade só pode estar muito feliz pelo fato da ONU ter consagrado o dia 22 de março como “Dia internacional de proteção e defesa das águas”. Em outras épocas, não seria necessário dedicar um dia do ano ao problema da água. Agora, sim. No século XXI, mais de um bilhão de pessoas sofre carência de água potável e mais de 80% das doenças que, no mundo inteiro, dizimam crianças e pobres, estão ligadas ao uso de águas poluídas ou impróprias para o consumo humano. Além disso, em todos os continentes, vários governos mantêm conflitos pelo uso de rios que banham as fronteiras de dois ou mais países e por cada um deles são reivindicados como propriedades nacionais.

Organismos internacionais da ONU e da sociedade internacional civil trabalham para que a água seja declarada como direito básico universal de todas as pessoas e todos os seres vivos. De acordo com esta compreensão, a Água não poderia jamais ser mercantilizada e vendida como propriedade privada de multinacionais que a exploram e, através da apropriação das fontes de água, dominam povos inteiros. Índios e lavradores se reúnem em conferências regionais para curar a Terra e fazer carinho à Mãe Água. Da sociedade civil do mundo inteiro sobe um apelo cada vez maior: vamos libertar a água da prisão humilhante e indigna de sua privatização.
As tradições espirituais recordam que a água é sagrada. Toda pessoa e até todo ser vivo têm direito de viver e de receber uma cota de água potável e gratuita por dia (50 litros?) para beber, cozinhar e para a sua higiene. As novas constituições nacionais da Bolívia e do Equador privilegiam a noção indígena do “bem viver” como meta a qual o Estado e a sociedade civil devem garantir para todos. A Constituição Bolivariana da Venezuela também defende o direito universal à Água que não deve ser privatizada, nem vista apenas como mercadoria.
As tradições espirituais recordam que a água é sagrada e morada divina do Espírito. Religiões afro-descendentes chamam esta energia de amor nas águas de Iemanjá. Para os índios da Amazônia, é a Iara, Mãe das Águas. Para os cristãos, no evangelho, Jesus proclama: “Se alguém tiver sede, venha a mim e beba toda pessoa que crê em mim. Como diz a Escritura: do interior do Messias, jorrarão rios de água viva” (Jo 7, 37- 39). O evangelho comenta: “Ao falar nesta água que todos/as podem beber do mais íntimo do Messias, ele se referia ao sopro divino. O Espírito de Deus ainda não havia sido espalhado porque Jesus não havia sido ainda glorificado (ressuscitado). Pela ressurreição, que celebraremos nesta Páscoa, Jesus derrama sobre nós o seu espírito de amor, como água que jorra para a vida eterna e nos faz ver em toda a água que existe no mundo sinal do amor divino.

(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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