Perto de minha residência morava um senhor que, apesar de ser cego, passava quase todo seu tempo cuidando do jardim que possuía em frente de sua casa. Graças à sua dedicação, o jardim sempre estava repleto de flores das mais diversas qualidades. Certo dia, uma senhora que deveria estar voltando das compras parou para observar o cego trabalhando no jardim. Depois de alguns minutos, a senhora perguntou em alta voz: “Por que tanta dedicação com essas flores? O senhor não pode vê-las mesmo, não é?” O cego ergueu-se e enxugando o suor concordou: “Correto, eu não posso ver nenhuma delas!” “Então”, continuou a senhora, “Por que o senhor perde tempo com esse jardim?” O cego, com um sorriso no rosto, respondeu: “Bom, eu poderia dar à senhora alguns bons motivos. Primeiro, eu adoro jardinagem. Segundo, eu posso ter o prazer de sentir a textura e o perfume das flores. O terceiro motivo é justamente a senhora!” “Eu?”, perguntou a mulher com um sorriso, “Como eu posso! ser um dos motivos se o senhor nem me conhece!” “Sem dúvida alguma, eu não a conheço.”, respondeu o cego, “Mas eu sabia que a senhora iria aparecer, admirar minhas flores e nós teríamos o prazer de nos conhecer melhor!”
Segundo a antropologia cristã, o ser humano é constituído de corpo, alma e espírito. Esta estrutura humana deve ser entendida como uma construção teórica para um melhor conhecimento de nosso desenvolvimento e potencialidades. De fato, o ser humano não é fragmentado, mas se constitui em uma unidade. Esta, porém, possui dimensões que devem ser compreendidas para alcançarmos uma melhor harmonia e qualidade de vida. O ser humano não é uma entidade abstrata, mas é corpo, um organismo que depende de ambiente e hábitos saudáveis: ar puro, água potável, boa alimentação, exercícios físicos regulares, etc. O corpo necessita destas condições, porque é um organismo vivo. Este estado de ser vivo, de corpo animado, é a comprovação de que possuímos uma “anima”, ou seja, uma alma. Em uma visão cristã, a alma é um presente do Deus da vida que ganhamos a partir de nossa concepção, que nos mantém vivos e nos coloca em desenvolvimento por toda a nossa exi! stência. No que diz respeito à esta força vital não existe diferença entre os humanos e os outros seres de nosso universo. Todos possuem alma, pois são seres vivos, interagem entre si e transformam seu meio ambiente. O espírito, porém, constitui-se em um ponto diferencial. O espírito, na verdade, é a consciência que nós seres humanos desenvolvemos a partir de nosso corpo e de nossa alma. Ele é a nossa identidade como pessoa. Em outras palavras, o espírito é a soma de todas as características que adquirimos durante a nossa existência: inteligência, experiências de vida, memória, estado emocional, etc. Enquanto a alma é a força que nos mantém vivos e nos anima para um desenvolvimento, o espírito é aquilo que construímos através deste. Portanto, o ser humano desenvolve seu espírito durante toda a caminhada de vida até a sua transmutação, sua libertação do corpo físico, fazendo a experiência que chamamos de morte.
Através das diversas situações da vida e de nossa interação com o universo, a alma, nossa força vital, pode se enfraquecer. A anima pode ser carregada de muitos aspectos negativos que fazem com que o ser humano perca o animo de viver, a vontade de permanecer na vida. A debilidade de nossa força vital é sempre expressada nas outras dimensões de nosso ser: no espírito através do pessimismo, da depressão, de emoções desarmônicas ou no corpo através de uma somatização, do surgimento de doenças físicas. O que muitas vezes se esquece é que a parte inteligente de nosso ser não é a alma e muito menos o corpo, mas o espírito. Segundo Pedro Makiyama, o espírito pode prevenir a totalidade de nosso ser contra a debilidade da força vital, mantendo-se vigilante em relação aos hábitos, situações, relações humanas e até pensamentos que possuímos. “O objeto adequado da imaginação é proporcionar beleza ao mundo… lançar sobre um simples dia de traba! lho um véu de beleza e fazê-lo tremer com nossa alegria estética” (Lin Yutang). Além da vigilância, o espírito é capaz de purificar a alma através de pensamentos positivos e uma voz de comando libertando-a de sentimentos negativos como rancores, remorsos ou tristezas. “Depois de algum tempo você… aprende que nem sempre é suficiente ser perdoado por alguém, algumas vezes você tem que aprender a perdoar a si mesmo” (W. Shakespeare). O espírito pode manter uma disciplina para que o corpo tenha condições saudáveis de existência, a alma se mantenha cada vez mais livre de influências negativas e a totalidade de nosso ser possa sempre estar em sintonia com Deus. “Uma prova de que Deus esteja conosco não é o fato de que não venhamos a cair, mas que nos levantemos depois de cada queda” (Santa Teresa de Ávila).