Faço questão de logo esclarecer: nestes dias, como Presidente da Cáritas Brasileira, minhas atenções se concentram na Campanha em favor do Haiti, para socorrer as vítimas do terremoto. A Campanha está indo bem, e está se mostrando um instrumento válido, dotado da credibilidade de que goza a Cáritas, para recolher as doações de todos os que desejam prestar sua ajuda, que logo é repassada para o Haiti, em sintonia com os serviços da Cáritas Internacional.
Mas o clima positivo de uma campanha inspirada por nobres sentimentos de solidariedade humana, onde o consenso é evidente, me permite abordar, com a necessária serenidade, outro assunto, bem mais complexo, como é a questão dos Direitos Humanos, colocados agora em evidência pelo Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH3), publicado no final de 2009.
Sem descer em detalhes sobre os pontos controversos deste “programa”, me limito a chamar a atenção sobre a importância de se manter, ao mesmo tempo, a clareza de princípios, a firmeza de posições, a serenidade de espírito, junto com a abertura para o diálogo.
Quando mantida esta postura, recebem mais força os pontos defendidos à luz da ética que ilumina toda a questão dos direitos humanos, a partir da inalienável dignidade de que cada ser humano se reveste, como sujeito de direitos inalienáveis e indiscutíveis.
Esta posição firme e serena foi demonstrada pela CNBB, em recente declaração sobre o assunto, vazada nestes termos:
“A CNBB reafirma sua posição, muitas vezes manifestada, em defesa da vida e da família, e contrária à descriminalização do aborto, ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e o direito de adoção de crianças por casais homoafetivos. Rejeita, também, a criação de ´mecanismos para impedir a ostentação de símbolos religiosos em estabelecimentos públicos da União` , pois considera que tal medida intolerante pretende ignorar nossas raízes históricas”.
Mesmo diante desta clara posição da CNBB, o bom senso nos leva a perceber que existem pesos específicos bem diferentes entre os diversos pontos defendidos pela CNBB. Uma é, por exemplo, a gravidade da questão do aborto, sempre condenado firmemente pela Igreja. Outra é a questão de regular o uso dos símbolos religiosos, que permite, com certeza, posições muito mais maleáveis, e sujeitas a um pacífico entendimento da sociedade.
Digo isto para ressaltar quanto é importante sabermos ter, ao mesmo tempo, firmeza de posições, e abertura para o diálogo, para ver todas as questões implicadas em cada capítulo dos “Direitos Humanos”, na perspectiva do respeito a todas as pessoas, no convívio democrático em sociedade.
Quando a defesa destes princípios, assumidos à luz da ética e da fé cristã, vem revestida de fanatismo, acaba prejudicando a própria causa, que dispensa radicalismos, e tem força de persuasão por seu próprio mérito, e não pela pressão de ameaças e de ofensas contra quem quer que seja.
A carga de equívocos provocados pela publicação deste “Programa”, precisa ser superada com urgência pelo enfrentamento sereno de todas as questões, com responsabilidade e respeito a todos os que desejam participar do sadio debate que o Programa quis suscitar.
A prova maior da maturidade política da sociedade brasileira será, me parece, a abordagem consciente e ponderada das seqüelas deixadas pela tortura, tristemente praticada no Brasil em períodos recentes de nossa história. Aí é preciso ter muita lucidez política e equilíbrio de posições, no discernimento do que convém assumir nas condições em que se encontra hoje a cidadania brasileira.
Que Deus nos livre dos fanáticos, seja de onde vierem!