professora do departamento de teologia da PUC-Rio
decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio
O recente filme sobre a vida do presidente Lula, feito por Fabio Barreto, não foi o sucesso de bilheteria esperado. Interpretado por muitos como um recurso a mais que o presidente estaria utilizando para alavancar a candidatura de Dilma Roussef à sua sucessão, o filme recebeu crítica não tão positiva e não lotou os cinemas como antes se pensava, em proporção à popularidade tão alta de que goza Lula.
Fui ver o filme. Gostei. Acho que é bem feito, mostra um retrato fiel daquilo que consiste o capital maior de Lula em relação ao Brasil que pretende governar: suas origens humildes, seu duro itinerário como filho de família numerosa e pobre do Nordeste, como tantas outras, sua luta para conseguir abrir caminho na metrópole paulista em direção a um futuro melhor.
O filme é bem dirigido, com um bom elenco de atores e atrizes, com destaque para o desempenho fantástico de Gloria Pires como Lindu, a mãe coragem, personagem chave na vida de Lula. Justamente Dona Lindu é quem provoca nossa reflexão nesta crônica, fazendo-nos tentar ver mais longe o significado do filme para o entendimento da pessoa e do personagem Lula antes e depois de seu acesso ao governo brasileiro e agora, neste momento em que prepara sua sucessão, em total apoio à campanha de sua candidata Dilma Roussef.
O filme deixa claro que Lula – como muitos brasileiros – é um filho criado por mãe sozinha. Dona Lindu faz parte do time das inúmeras mulheres para quem o homem que escolheram como companheiro se revela um peso ou uma ausência. Dominado pela bebida, pela depressão de não conseguir uma vida digna para si ou sua família, pela infidelidade que os faz buscarem outras parceiras sexuais, levando-os a abandonar a casa e a prole, o marido de Lindu, pai de seus filhos, inclusive Lula, é alguém que não exerce papel positivo na formação do presidente.
Para muitas mulheres brasileiras como Lindu, o homem que se deita com elas e lhes dá uma maternidade múltipla permanece em casa. Torna-se uma figura emblemática, como um adorno ou um móvel, alguém que não participa em nada da luta pela educação dos filhos e pelo sustento do lar, e quando muito serve de alguma garantia para que o vizinho não a incomode. Para Lindu, como para tantas outras, nem esse papel desempenhou o marido, que se foi para São Paulo, com a outra mulher com quem se relacionava e que já levava no ventre um filho seu.
Lindu ficou cuidando dos inúmeros filhos, entre eles Luis Inácio. Aristides voltou em determinado momento, dando-lhe mais uma filha. A todos nutriu, de todos cuidou em meio à pobreza em que vivia. Até que um dia toma também o caminho do sul maravilha com toda a filharada.
O filme mostra com muita felicidade a saga dessa mulher que ao chegar encontra o marido com outra e se dispõe a criar e educar os filhos na metrópole selvagem e hostil, enfrentando todos os obstáculos e dificuldades. E mostra melhor ainda o processo interior que Lula vive ao observar essa giganta de coragem e determinação que é sua mãe.
Cresce e sempre pode encontrar naquela que o trouxe no ventre e o nutriu com o leite de seu peito a conselheira, a que lhe dá força e estímulo, em suma, a melhor amiga. Na vida do jovem metalúrgico que vai descobrindo seu talento de líder sindical, de negociador político, de personalidade carismática, Lindu é a interlocutora privilegiada que o faz ter confiança em si mesmo, não recuar, ir para frente.
O que acontecerá com o psiquismo de Lula quando dona Lindu começa a envelhecer e tornar-se mais fraca, não podendo mais ser a coluna que o sustenta? Simplesmente há uma alternância de apoio feminino. Lindu é substituída por Marisa Letícia, a segunda mulher, esposada após a morte da doce Lurdinha, morta por negligência e imperícia da saúde pública brasileira, assim como o primeiro filho do presidente.
Viúva de um motorista de táxi assassinado na violenta Paulicéia, Marisa é mulher forte, de cabelo na venta, que toma o bastão passado por Lindu e passa a desempenhar o papel de companheira, conselheira, participante em lutas e trabalhos, penas e glórias.
Lula, o filho do Brasil, é um homem construído por mulheres, que deve às mulheres, sobretudo ao monumento de força e retidão que foi sua mãe Lindu, mas também à esposa Marisa, muito do que é, do que fez, do que conseguiu. O fenômeno Lula é inseparável do fenômeno Lindu e, em certa medida, igualmente do fenômeno Marisa Letícia.
Aonde queremos chegar com essa reflexão? Não pretendemos, obviamente, traçar aqui uma argumentação rigorosa e consistente sobre a sucessão presidencial, nem muito menos fazer previsões neste sentido. Ao contrário, desejamos trazer nossa leitura do filme e da visão que o diretor faz da trajetória de Lula.
E a conclusão é que Lula é alguém que confia nas mulheres. Como não confiaria, ele que deve tudo que é a Lindu, filha do Brasil por excelência e vencedora em uma situação na qual normalmente só existem vencidos? Ele sabe que deve a Lindu ser hoje um vencedor. Sabe que deve muito a Marisa do equilíbrio psicológico que o ajuda a enfrentar situações para as quais normalmente não estaria preparado. Em suma, sabe que as mulheres, quando assumem um desafio, em geral não o largam e teimosamente lutam até o fim para levá-lo a bom termo. Basta ver o conselho que Lindu lhe dá e que o filme resgata com seu testamento para o filho: “Teima, teima…”
Lula teimou e chegou à presidência. Após três derrotas. Lula agora teima diante de todo o Brasil e insiste na candidatura de uma mulher, Dilma Roussef, para sucedê-lo. As pesquisas dizem que pode não emplacar, a saúde da candidata inspirou cuidados, o carisma de Dilma deixa a desejar. Lula segue teimando. É de supor que aos seus ouvidos continue ressoando o conselho de Lindu: “Teima, teima”.
Se a teimosia der certo como outras já deram, é de se esperar – para o bem do Brasil e do povo brasileiro – que Dilma levante alto a bandeira da mulher no poder, sendo a primeira presidente do Brasil. Não seria justo com Lindu se acontecesse o contrário.
Maria Clara Bingemer é autora de “A Argila e o espírito – ensaios sobre ética, mística e poética” (Ed. Garamond), entre outros livros. (wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape)
Copyright 2010 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – É proibida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato – MHPAL – Agência Literária ([email protected])