De vez em quando, a imprensa mostra cenas de julgamento e chama a atenção para o fato das testemunhas de defesa do réu entrarem em contradição ou prestarem depoimentos que não se harmonizam. Diariamente, isso está acontecendo em um plano mais amplo e estrutural quando se vê a divisão entre as religiões da humanidade. Em um plano mais concreto e próximo, o mesmo ocorre com as Igrejas cristãs. Apesar de que todas as Igrejas e religiões querem ser testemunhas de que Deus é Amor e Salvação para a humanidade, há muito tempo, elas se desentendem. Assim, dão ao mundo sinais de divisão ou de profunda indiferença uma em relação à outra. No caso do Cristianismo, até os nomes das Igrejas revelam certa auto-suficiência e mesmo orgulho espiritual. Uma se chama Igreja Católica (que significa Universal). É um nome muito antigo que ela possui antes da maioria das divisões. Entretanto, muitas vezes, pastores e fiéis se referem à sua Igreja como sendo “a Igreja”, como se não existissem outras. Outras confissões cristãs se chamam “evangélicas”, como se só elas o fossem. Ortodoxa é um termo grego que significa verdadeira. As Igrejas orientais, ao se chamarem assim, parecem subtender que as outras são heterodoxas, isto é, falsas. As Assembléias de Deus que, neste ano, completam cem anos de missão no Brasil, carregam um nome bíblico que vem do livro do Êxodo e deveria ser o nome de toda Igreja cristã. Nem falo de Igrejas mais novas com nomes pomposos e prédios mais ricos ainda que praticam a crença de que a prosperidade é sinal da bênção divina, como se alguém fosse pobre por não ser abençoado ou amado pelo Pai de amor maternal.

Há cem anos, na Ásia, as populações que eram objetos da missão cristã disseram aos missionários: “Primeiramente, vocês se entendam entre vocês e depois venham nos anunciar o Cristo”. Assim, provocaram a primeira grande conferência do Conselho Mundial das Missões que se realizou em Edimburgo (Escócia). Este evento é considerado o início do movimento ecumênico contemporâneo que resultou no Conselho Mundial de Igrejas, associação fraterna e igualitária de quase 350 confissões cristãs que se reúnem como irmãs para dar um só testemunho do amor divino pela humanidade e de que vale a pena crer no evangelho de Jesus Cristo.

A cada ano, desde 1908, no hemisfério norte de 18 a 25 de janeiro e entre nós, povos do Sul, na semana de maio, anterior à festa de Pentecostes, realiza-se a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos. Neste ano, o tema geral da semana é justamente esta questão de como dar testemunho do Cristo no mundo atual tão dividido e ferido por tantas injustiças. “Vós sereis testemunhas dessas coisas” (Lc 24, 48) e uma palavra de Jesus ressuscitado aos discípulos e discípulas, hoje, acolhida no mundo inteiro como programa de vida.

Ao ler sobre isso, há quem pense que este assunto interessa apenas a padres e pastores/as. Na realidade, atualmente no Haiti, é esta unidade entre as Igrejas e também entre outras religiões que asseguram a consolação e a força de esperança que podem manter vivos os sobreviventes da tragédia que se abateu sobre aquele país irmão. Ali, pessoas apavoradas não se sentem com o direito de enterrar seus mortos porque pensam que o Vodu não permitiria. Seria necessário, antes, fazer a cerimônia de passagem no próprio local da morte. Como fazer isso a milhares e milhares de mortos e em circunstâncias de risco para a saúde de quem está vivo? Está sendo importante que autoridades do próprio Vodu, junto com líderes de outras religiões ajudem as pessoas a compreenderem que a opção pela vida exige a pressa do sepultamento. E isso não desrespeita as tradições ancestrais tão fundamentais para quem já é pobre social e economicamente.

Por sentir que este assunto é importante para toda a humanidade e tem repercussões sérias com relação à paz entre os povos, no dia 20 de dezembro de 2006, a assembléia geral das Nações Unidas assinou uma resolução para promover o diálogo, a compreensão e a cooperação entre as culturas e entre as religiões em prol da paz. Proclamou que este ano de 2010 deve ser o Ano Internacional de Aproximação das Culturas. Recomendou que, no transcurso deste ano, se organizem atividades apropriadas, relativas ao diálogo, à compreensão e à cooperação entre religiões e culturas, sempre em função da paz do mundo.

Que a própria fé e a espiritualidade seja um instrumento amoroso deste diálogo e desta busca de comunhão com todos os seres humanos e entre eles e todos os seres da comunidade da Vida que forma o planeta Terra.

(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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