No estudo compenetrado dos sacramentos, viu-se como batismo, crisma e matrimônio são os três passos na integração do candidato numa comunidade de fé. Também se notou o papel de uma comunidade e na sua ausência, o esforço de uma paróquia para substituí-la. Em seguida o leitor podia compreender como a estrutura eclesiástica e o papel da sua liderança se modificaram durante dois milênios. Os três sacramentos restantes têm as funções de crescimento, saúde e cura das comunidades como entidades e a dos seus membros. A maneira de realizar isso varia de um sacramento para outro.

O sacramento de reconciliação sofreu muito depois do Vaticano II, quase ao ponto de abandono. A reforma da liturgia pelos peritos na Roma mudou o nome de “confissão” para “reconciliação” com a esperança que ia melhorar a compreensão da sua função. O sucesso está chegando lentamente até hoje.

A má compreensão veio de longe. No salmo, o contrito chora: “Contra ti, só contra ti que eu pequei” (51:4). Não foi assim que Jesus viu o pecado quando ele disse: “[…] se lembrares de que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa a tua oferta aí diante do altar, e vai primeiro te reconciliar com o teu irmão, depois, volta para apresentar a oferta” (Mat 5:23-24). Não há dúvida de que podemos pecar diretamente contra Deus. É, porém, muito mais comum que pequemos contra alguém que Deus ama – contra os seus filhos e contra a comunidade em si. É assim também que ofendemos o nosso Pai.

São João conta como a autoridade de perdoar pecados foi dada ao grupo de discípulos: “Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados” (Jo 20:22-23). A carta de Tiago mostra como os membros confessavam os pecados uns aos outros e oravam uns pelos outros para que fossem curados (5:16). Jesus está no meio deles com a graça para acompanhar a sua oração (Mt 18:19-20). Esta oração foi para que Deus curasse as feridas e ressentimentos feitos pelos pecados, para que os outros pudessem perdoar o irmão e se reconciliar com Ele. Esta oração dá ao pecador a esperança de que, ao chegar até os ofendidos pedindo perdão, ele estaria perdoado e não rejeitado pelos outros da sua comunidade.

Após o século V, com o desaparecimento das comunidades cristãs, a confissão se tornou aos poucos mais individual e em segredo, escondido dentro de um confessionário e feita perante um só líder da Igreja – agora limitada ao sacerdote. A reconciliação se tornou mais uma reconciliação espiritual, uma reconciliação só com Deus e não mais incluiu a comunidade. Como o representante da comunidade, o sacerdote pode perdoar os pecados em nome dela e oferecer uns conselhos, entretanto, bem aquém duma reconciliação com o ofendido e com a comunidade. Este conceito persiste até hoje e, parece, uma das razões pelo qual o sacramento foi quase abandonado. É tão claro o que Jesus quer. “Se o seu irmão peca contra você sete vezes num só dia, e sete vezes vier a você, dizendo: ‘Estou arrependido’, você deve perdoá-lo cada vez” (Lc 17:4). E, “cada um perdoe o outro, do mesmo modo que o Senhor perdoou você” (Col 3:13). Não creio que Deus perdoa os nossos pecados um a um, não. A sua atitude de perdoar é constante e universal. Como um bom Pai, o amor dele por nós é tanto que Ele nem vê, nem pensa nos nossos pecados. Não há nada negativo nele. Porém, Ele nos vê nos separando da sua graça. Ele vê o sofrimento dum filho, aquele que está ferido, amargado, ofendido e quer cobrir todos envolvidos com a sua paz.

Deus sabe como nós somos fracos. Ele sabe como estamos apegados ao pecado. Desde o tempo de Abraão, Ele vem revelando constantemente na história dos hebreus o seu amor e o perdão do povo através dos profetas. Ele continua sendo o mesmo Deus, mas agora foi revelado por Jesus como a Santíssima Trindade. Jesus morreu na cruz para enfatizar a intensidade do amor que perdoa a todos. É a vida do Espírito que infunde em nós este amor e é o poder do Espírito que capacita em nós a atitude do perdão dos que nos ofendem e possibilita a nossa reconciliação com eles. Sabendo isso, Jesus podia dizer aos seguidores: “Amem os seus inimigos, e rezem por aqueles que perseguem vocês” (Mt 5:44; Lc 6:27). Vê-se como perdão e reconciliação imersos no amor têm que fazer parte da vida diária de um cristão, de todos os cristãos.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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