Padre Beto 26 de janeiro de 2010


www.padrebeto.com.br

Era uma vez um burro que gostava de ajuntar espigas de milho, feixes de capim, restos de lixo e todo o tipo de bugigangas. Ele era muito apegado a todas as coisas que possuía e as acomodava em caixas que eram amarradas em cima de seu dorso. Assim, o burro carregava tudo consigo para onde fosse e chamava a atenção de todos. Com o tempo, as caixas foram se sobrepondo, a pilha foi ficando enorme e pesada e suas caminhadas tornavam-se cada vez mais dificultosas. Certo dia, o animal estava fazendo um passeio pela floresta e, passando perto de um rio, acabou atolando-se na lama, graças ao enorme peso de sua carga. Já quase todo coberto de barro, o burro, finalmente, foi se questionando sobre o sentido de carregar tanto peso chegando à conclusão que sua vida era mais importante que todos os entulhos que possuía em suas costas. Sentimentos negativos, fatos desagradáveis ou experiências desgostosas se manifestam como verdadeiras feridas em nossa memória. O fato de possui-las não deve deixar de ser uma preocupação, pois a memória contribui muito para a construção de nossa identidade. Em todo momento podemos remexer em imagens, diálogos, sentimentos que estão arquivados em nossa memória, assim nos (re-) definimos pelo passado, pois nele encontramos nossas raízes e o registro de quase todos os nossos passos. Se sofremos de amnésia, ou seja, se nossa memória é “deletada”, ficamos totalmente desorientados, pois nos faltam informações básicas: de onde viemos, o que fizemos e o que construímos até agora. Porém, mesmo possuindo uma boa memória, não estamos livres de problemas. Muitas vezes, nas conversas com amigos ou com familiares, em casa, no barzinho ou no trabalho costumamos recordar os momentos vividos juntos. Nestas conversas marcadas pela nostalgia não somente relembramo! s as boas experiências ou interessantes passagens, mas temos a oportunidade de constatar que as lembranças sobre os mesmos fatos não se coincidem totalmente. Detalhes que recordamos não ficaram na memória dos outros e vise versa. Muitas vezes, temos até a impressão de que cada um está falando de situações diferentes. Estas diferenças na narração dos fatos mostram que a memória constrói as imagens do passado com impressões individuais e subjetivas e não como se fosse uma câmera de vídeo. Em primeiro lugar, existe um processo seletivo por parte de nosso cérebro que escolhe a cada momento aquilo que será guardado em nossa memória. Por ter a memória um papel central na visão e compreensão de quem somos, desenvolvemos a capacidade do esquecimento. Além deste crivo do cérebro, todo o material “salvo” é modificado pela nossa fantasia, nossos desejos e com o tempo acaba se misturando também com conteúdos fictícios. Este processo de escolha e “maquiag! em” do material armazenado na memória é um fabuloso mecanismo de def esa para a nossa própria sobrevivência, ou seja, uma proteção de nossa psique. Se fizermos uma análise crítica do material existente em nossa memória, descobriremos, com muita facilidade, que ele é formado, em sua maioria, de momentos agradáveis e positivos. O cérebro se incumbe de “criar” um material na memória que nos estimule a viver e a não perder o impulso vital de desenvolvimento. Nosso sistema nervoso central molda nossas posturas de vida de acordo com as situações que enfrentamos. Se a situação não foi muito grave e dramática, mas mesmo assim desagradável, ela cai no esquecimento rapidamente e não pode mais ser um peso para o nosso ser. Apesar do complexo processo químico que atua na atividade da lembrança de nosso cérebro ser ainda desconhecido para a ciência , uma revista científica alemã publicou no ano passado que o esquecimento possui substâncias parecidas com aquelas encontradas na maconha. As vítimas, porém, de situações muito tr! aumáticas recebem do cérebro outro tratamento. Estas situações são salvas na memória de traumas, diferentemente da memória do dia-a-dia. As situações traumáticas não podem ser lembradas quando desejamos, elas são despertadas por ruídos, imagens, etc. Por isso que os traumas nos atormentam, pois eles não podem ser facilmente dominados. De qualquer forma, nós seres humanos não somos máquinas que assimilam as situações com exatidão. Cada pessoa interpreta os momentos conforme seu horizonte de experiências. Cada memória deste mundo é algo único. Com a exceção das situações fortemente traumáticas, nós podemos ajudar nosso cérebro a “deletar” aqueles momentos que só servem de peso para nossa caminhada. As experiências negativas devem nos ensinar a viver, mas não podem se tornar companheiras desagradáveis de viagem. “Somos o que pensamos. Tudo o que somos surge com nossos pensamentos. Com nossos pensamentos, fazemos o nosso mundo” (Buda).
Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


busca
autores

Autores

biblioteca

Biblioteca

Entrelaços do Coração é uma revista online e sem fins lucrativos compartilhada por diversos autores. Neste espaço, você encontra várias vertentes da literatura: atualidades, crônicas, reportagens, contos, poesias, fotografias, entre outros. Não há linha específica a ser seguida, pois acreditamos que a unidade do SER é buscada na multiplicidade de ideias, sonhos, projetos. Cada autor assume inteira responsabilidade sobre o conteúdo, não representando necessariamente a linha editorial dos demais.
Poemas Silenciosos

Flickr do (Entre)laços
[slickr-flickr type=slideshow]