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A atual constituição está comemorando vinte anos de vigência. Tendo sido aprovada em redação final a 22 de setembro, só a 5 de outubro foi promulgada. A única explicação, que se pode dar para tão longo intervalo entre aprovação e promulgação, é a data do aniversário em 6 de outubro de Ulisses Guimarães, Presidente da Assembléia Constituinte, que a apresentou à nação com o gesto que ficou célebre. O especialista político Octaciano Nogueira opina que durante esse período, constituintes alteraram o texto aprovado e acredita até que o instituto das medidas provisórias tenha sido inserido nesse intervalo. Essas medidas provisórias foram uma dádiva ao Executivo. Elas são,, nos regimes parlamentaristas, instrumento excepcionalíssimo, que no Brasil se tornou meio ordinário que o executivo tem de legislar sobre qualquer assunto, nem relevante, nem urgente. O próprio Nelson Jobim, atual ministro da defesa, admitiu recentemente ter participado de alterações no texto já aprovado.

O mesmo especialista assevera que a constituição de 1988, por um lado, é das piores que o Brasil já teve, a mais extensa e detalhista. Basta dizer que, no artigo 192, § 3º, chegou à insanidade de fixar os juros anuais em 12%! Por outro lado, ela é a carta dos direitos e garantias individuais. Nenhuma outra havia dado ao cidadão, ao trabalhador, direitos sociais e políticos como esta. É a mais liberal de todas no que diz respeito aos direitos políticos; por isso, pode-se afirmar também que nesse ponto é perfeita, a melhor que já tivemos.

Daí, merecer o título que lhe deu o presidente Ulysses de “constituição cidadã”. No seu texto, diz o cientista político Valter Pereira, o fato marcante que se nota é a elevação dos direitos sociais a status de mandamento constitucional. Com ela, continua ele, o ordenamento jurídico ordinário foi compelido a garantir a universalização da saúde, da educação e a preservação do meio ambiente, mesmo que a qualidade desses serviços ainda esteja longe do ideal constituinte. Na Carta de 1968,. o município ganhou abrigo na concepção federativa, o Ministério Público recebeu status de poder independente, a administração pública ficou mais transparente e as relações de capital e trabalho tiveram significativas melhorias.

Um certo constituinte, de fechada barba preta, que votou contra esta constituição na votação final, agora, de barba grisalha, afirma com a autoridade de supremo mandatário da nação: “Fizemos uma Constituição extremamente avançada, que estabeleceu compromissos radicais com os direitos individuais de todos os cidadãos. E a principal razão disso foi a participação popular” – menos a de seu partido, o PT… E conclui, como não podia deixar de ser: “como jamais houve na história deste país!”

Os fundadores dos Estados Unidos em 1787, em Filadélfia, temendo a reação de alguns estados federados ausentes, criaram a expressão genial We the people – “Nós, o Povo”. Os nossos constituintes de 1968 adotaram a expressão “Nós, representantes do povo…” Também o nome santo de Deus, que aparece em quase todas as constituições, mesmo nas que estabelecem separação entre Igreja e estado, como a nossa, está no preâmbulo da constituição cidadã.

O já citado cientista político Octaciano Nogueira contabiliza que nesses 20 anos a Constituição de 1988 já recebeu 62 emendas. Mais que qualquer outra. A de 1824 durou 65 anos e recebeu uma única emenda. A republicana, de 1891, durou 65 anos e teve apenas uma emenda também. Já a de 1934 durou três anos e recebeu três emendas. A de 1937 teve 20 emendas em seus oito anos de vigência. A Carta de 1946, com o restabelecimento da democracia, durou até 1965 com dez emendas. E a do regime militar, de 1967, teve inúmeras emendas com os chamados Atos Institucionais até a atual, de 1988. “Mas se não fossem as emendas no tocante aos assuntos econômicos, o texto original de 1988 teria inibido o crescimento do país, freado os ganhos de produtividade das empresas e desencorajado os investimentos externos. Em suma, teria remetido a economia brasileira para o século XIX,” diz uma revista de circulação nacional.

“A Carta de 20 anos atrás foi escrita quando o PT ainda acreditava numa sociedade sem classes”…– resume o constituinte Delfim Neto.

(*) É arcebispo emérito de Maceió.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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