teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio

O título deste artigo poderia parecer uma “contradictio in terminis”. Se a oração é uma dinâmica de amizade, de relacionamento amoroso, como definiram tantos mestres espirituais, incluída aí a grande Santa Teresa de Ávila; se é, como diz o Papa Bento XVI, um exercício de esperança, como poderia ser corrupta? A oração é constitutivamente o contrário mesmo da corrupção e com ela não pode conviver, pois não apresenta com essa última nenhuma aproximação ou parentesco.
Ora, como tudo pode acontecer e mais ainda no Brasil, terra das surpresas, eis que o país está perplexo nos últimos dias porque, no último escândalo envolvendo o governador de Brasília, infelizmente, em mais um costumeiro caso de corrupção, a oração aparece como parte integrante da transação iníqua e ilegal que enche os bolsos dos ladrões e assalta os do contribuinte honesto, que trabalha diuturna e duramente para garantir a própria sobrevivência.
O escândalo, ao contrário de outros, começou a vazar nos altos escalões do governo. Os vídeos e as escutas que denunciaram a escalada corruptora foram produzidos de cima para baixo. Em geral, é dos escalões inferiores que esses processos começam e vão subindo até transbordar. Não foi assim desta vez. O primeiro vídeo já envolveu e denunciou o governador e o material do qual dispõe a Polícia Federal promete uma novela de dimensões e extensão estarrecedoras.
Mas o escândalo maior de todos, maior do que qualquer outra coisa é mesmo aquele em que parlamentares aparecem enchendo avidamente os bolsos de dinheiro e agradecendo a Deus pela propina em cena inacreditável, mas que quem viu pode atestar que era real.
Parece que um dos personagens da tragicômica cena, o deputado Durval Barbosa, é dado a mesclar o nível religioso com o financeiro e o político, produzindo abjeta salada. Segundo noticia a imprensa [1] <#_ftn1> , durante a campanha eleitoral de 2006, o então presidente da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), Durval Rodrigues, gravou um momento de oração em seu gabinete. Dois deputados do DF, os mesmos que receberam propina agora, encontravam-se na sala naquela ocasião. Um deles conduziu a oração.
Agora é o dinheiro corrupto, guardado nos bolsos e meias que é agradecido a Deus, em oração conjunta. A corrupção e a imoralidade agradecendo a Deus por haver supostamente abençoado suas iníquas iniciativas.
É revoltante e doloroso que em pleno Advento, quando todas as Igrejas cristãs preparam a celebração do nascimento do Senhor, políticos e parlamentares que advogam para si o nome de cristãos cheguem a esse nível de corrupção e contratestemunho.
Não é à toa que a Bíblia judaica coloca no decálogo como segundo mandamento, após “Amar a Deus sobre todas as coisas”, a prescrição de “Não tomar seu santo nome em vão”. O que assistimos aqui em nosso país é simplesmente lamentável. A invocação do nome de Deus para acobertar e – pior – legitimar falcatruas e agressões à ética.
No Novo Testamento, coisas desse tipo são anatematizadas por Jesus como escândalo aos pequenos, aos frágeis, aos sensíveis. Os que as praticam – diz o Senhor – seria melhor que se atirassem à água com uma pedra de moinho atada ao pescoço. Melhor mesmo a morte que matar a boa fé e a esperança dos pequenos e dos pobres.
É isso que está lamentavelmente acontecendo no país que aos olhos do mundo é capa do “The Economist” e decola como uma das grandes potências do futuro. Em flagrante contradição com sua marcha para o desenvolvimento, mergulha e chafurda no lodo da mais abjeta e desavergonhada corrupção. E invoca o nome de Deus para legitimá-la.
Que a impunidade não prevaleça desta vez. Que os responsáveis sejam afastados, punidos. Que a transparência predomine e a ética dê o tom deste triste fim de ano no país de tantos contrastes que é o meu, o nosso gigante, que às vezes desperta atacado do mais absoluto enanismo ético e espiritual.
[1] <#_ftnref1> EXTRA online, 6 de dezembro de 2009
Autora de “Simone Weil – A força e a fraqueza do amor” (Ed. Rocco).
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