Em cada final de ano, os meios de comunicação escutam videntes que prevêem como será o ano novo que vai começar. Sejam quais forem os instrumentos usados para estas previsões, elas nos revelam também a sensibilidade e a experiência de vida das pessoas que as proclamam. Respeito os videntes e as pessoas das mais diversas tradições capazes de vislumbrar alguma luz sobre o futuro para nós desconhecido. E´ bom lembrar, no entanto, que na Bíblia e na tradição judaico-cristã, profeta não é quem advinha o futuro e sim quem consegue ouvir uma palavra divina de tudo o que está acontecendo. Assim, quando falam do futuro, os profetas não tanto predizem o que vai acontecer, mas revelam a promessa de Deus para a caminhada humana.
A diferença entre previsão é promessa é que a previsão é neutra. Quem lê o futuro só pode anunciar algo que vê. Como um médico interpreta uma radiografia. Não pode ser culpabilizado pela doença que anuncia. A promessa, ao contrário, engaja. Quem promete, se compromete. O objeto da promessa não é o que se espera como nuvens escuras avisam que vai chover. A promessa visa uma transformação da realidade. Na Bíblia, a promessa divina foi que mulheres estéreis passariam a ser fecundas e a própria humanidade venceria todas as suas esterilidades para viver em uma terra de amor e de partilha. Crer na promessa não é resultado de uma análise neutra da realidade que pode ser pessimista. É uma adesão pessoal no sentido de se engajar para que aconteça aquilo que é prometido. Neste sentido, quando dizemos que 2010 será um ano de graça, nos comprometemos a trabalhar para que esta graça divina se manifeste e vença todos os prognósticos pessimistas possíveis.
No plano do mundo, o fracasso da Conferência da ONU sobre mudanças climáticas, em Compenhague, reenvia a humanidade para a próxima reunião no México, nos meados de 2010. Na América Latina, apesar das contradições, um novo processo social e político vigora em vários países. Valoriza o protagonismo dos povos indígenas e das comunidades populares. Organismos regionais como o Mercosul, a ALBA e a Unasul testemunham que o tempo do colonialismo está acabando e o continente latino-americano pode ter uma verdadeira autonomia com relação ao governo dos Estados Unidos e aos organismos internacionais.
No Brasil, será um ano de eleições. Mais importante do que o resultado das eleições, pode ser o processo de discussões políticas que a campanha eleitoral acarreta. Oxalá que estas discussões possibilitem ao povo todo tomar mais consciência da realidade e dizer claramente através das urnas o que quer como projeto para este país.
No seu 10º aniversário, o Fórum Social Mundial será descentralizado. Ocorrerão diversos fóruns regionais e temáticos. Em janeiro, haverá um em Porto Alegre e um temático em Salvador, BA. Eles revelam o aprofundamento da busca de “um novo mundo possível”.
No plano das religiões, 2009 se concluiu com a 5ª Conferência Mundial do Parlamento das Religiões pela Paz. Esta reunião ocorreu em dezembro, em Melbourne, na Austrália e contou com a participação do Dalai Lama, do rabino chefe de Israel, de autoridades islâmicas e de representantes de quase cem religiões e tradições espirituais. Um cardeal representava o papa. Muita gente simples e de base participou do encontro. O tema foi significativo: “Vamos fazer um mundo de diferença: escutando uns aos outros e cuidando da Terra”. O documento final é um apelo para que as religiões se unam na missão urgente de transformar esta sociedade em um mundo mais justo para salvar a vida no planeta.
Para as Igrejas cristãs, 2010 marca o centenário da Conferência Missionária de Edimburgo (1910) que deu origem ao atual movimento pela unidade dos cristãos. O Conselho Mundial de Igrejas, que reúne 349 confissões cristãs, celebrará este aniversário através de uma nova conferência em Edimburgo (junho de 2010). Ela traçará linhas de ação comum entre as Igrejas a serviço da humanidade e do planeta. Neste ano, os cristãos também recordam os 500 anos do nascimento do reformador João Calvino, assim como, no Brasil, os 100 anos da fundação da Assembléia de Deus e da Congregação Cristã do Brasil.
O Conselho Nacional de Igrejas Cristãs que, no Brasil, reúne oito Igrejas, coordenará a terceira Campanha da Fraternidade Ecumênica, a ser lançada na 4ª feira de cinzas. O tema é “Economia e Fraternidade” e visa aprofundar elementos de uma economia que se ponha a serviço de todos e não apenas do lucro de alguns. Esta campanha mostra o profundo laço que une a questão econômica com a espiritualidade.
Neste ano, muitos cristãos percebem uma verdade sobre a qual, já no século XIII, São Francisco de Assis insistia: mais do que levar o evangelho aos de fora, o melhor modo das Igrejas e dos cristãos cumprirem sua missão é viver o amor divino e a abertura aos outros. Isso é o que o evangelho propõe, como o modo mais eficaz de fazer com que, em comunhão com o universo, a humanidade possa viver um feliz ano novo.
(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.