O guerreiro se fazia líder da tribo (=comunidade), impondo sua presença pela força da lança e da espada. Quem não o acompanhasse e lhe obedecesse, sofreria as punições devidas, desde a morte ao desterro, segundo o seu livre arbítrio, a cumular, também, as funções que mais tarde, quando o mundo civilizou-se, foram atribuídas ao Judiciário. Do guerreiro nasceu, com a lapidação dos anos, décadas e séculos, a figura do príncipe, que depois, ganhou ares aristocráticos, até se impor pela tradição, sem mais a necessidade de se invocar a força. Os anos fizeram com que se criassem os exércitos, para garantir a permanência do monarca no poder.

Nas comunidades, no Brasil, plantadas pelo português, a figura do líder ocupou espaço, até pela necessidade natural de uma voz de comando. Só que, no sangue, alguma coisa do guerreiro ancestral, que se fazia respeitar pela força, igual a prepotência, veio também. Esse líder, que as povoações consagraram, mandou e desmandou, seguindo os passos do seu ancestral mais remoto, embora adaptado aos novos tempos. O líder já não usava, abertamente, a espada. Mas, às escondidas, se valia de algum vassalo para a emboscada. E assim um opositor era retirado de cena, deixando a arena sem nenhum empeço. Para dominar a comunidade, se valia de sua influência na indicação de nomes que, religiosamente, se ajoelhavam em sua obediência, fazendo o que fosse mandado. Dessa forma, o líder, por exemplo, indicou os membros do Senado da Câmara, abafando, com suas oferendas, a voz da igreja, além de retirar a autoridade do Judiciário, ao líder sempre subalterno.

Com os aperfeiçoamentos dos tempos, o líder foi se despojando das vestes de príncipe para se utilizar do chapéu de chefe político, que, forte em sua comunidade, se curvava ao político da capital da Província, força central, para poder mandar nos seus, na condição de força local. A estrutura dos grandes reinos [europeus] estava reiterada, com outros títulos. Aqui e na velha Europa, a mesma coisa: o poder central, na capital, e os poderes locais, que apóiam o poder central, no interior.

O tempo, contudo, foi criando a oposição, que o guerreiro dos primeiros tempos não conheceu. A comunidade se dividiu em duas alas: a do chefe, que tinha o comando da coisa pública nas mãos; e a do outro chefe, que lhe fazia oposição, na busca do poder, que, aliás, é sempre o centro de toda a peleja. Para sempre, a povoação estaria dividida em duas alas, que se mantinham e se mantêm vivas pela força da rivalidade. A comunidade terminou se acostumando, a ponto de não admitir a sua união.

Esse panorama chegou até nós, de forma bem marcante, na presença do líder político que exerce seu poder coroado pelo ferro e pelo fogo, sem respeitar direitos de ninguém, a não ser o seu de impor o rumo que considera adequado para a sua manutenção no poder. É o líder violento, reminiscência do guerreiro dos tempos coevos, que tudo faz para impor sua liderança. E, como não poderia mais fazer o que o seu parente mais remoto praticava, inventaram as eleições, tendo a cautela de, com a eleição, fabricarem a fraude, como forma de manipulação de resultados confeccionados com a ajuda de atas falsas, criadas sob o amparo das baionetas. Ou de criar obstáculos para que o opositor se sentisse coagido e não fosse votar contra o líder.

Os velhos chefes políticos arbitrários, sanguinários, capazes de qualquer violência, são herdeiros diretos e remotos do líder da tribo dos tempos primitivos, chefes que conseguiram resistir às mudanças dos tempos, tendo a cobertura de todos os setores, do judiciário à igreja. Municípios diversos do Estado de Sergipe exibiram, dos tempos republicanos para cá [que são os mais conhecidos], a figura do líder político que veste a camisa da arbitrariedade=crime, para se eternizar no poder, pessoas que expulsaram do município muitos dos seus opositores mediante as ameaças. A história registra, em muitos municípios, esse chefe que não respeitava direitos, nem se curvava a norma, porque esta, para prevalecer, só podia ser a que saía de sua cabeça.

As figuras estão aí, bem carimbadas pelo sangue que produziram nos seus atos de violência e de desrespeito aos direitos mais elementares do mundo civilizado. Muitos dos municípios sergipanos apresentam, sempre e sempre, o chefe político onipotente, que tudo pode – menos fazer chover em seu território -, que tudo faz, com o privilégio de nunca ter figurado em qualquer inquérito policial, apesar do rol de assassinatos que acompanha sua sombra. Há exceções, mesmo porque não se podia cobrir o sol, a vida inteira, com uma peneira.

No chefe político de datas bem recentes está o guerreiro dos tempos remotos, com pequenas diferenças, que se justificam pela alteração da paisagem e dos tempos. Os exemplos poderiam ser citados de muitos, cujos nomes aparecem nas ruas da capital e das cidades interioranas, sem que nas placas se possa vislumbrar o açude de sangue que cavaram com seus métodos de força. Homens arbitrários, que, pelo que fizeram, mereceriam graves punições, estão, depois de mortos, a batizar logradouros públicos, por falta de um setor de depuração e de triagem do legislativo municipal. Lastimável.

Felizmente, hoje, repassando os olhos para cada comunidade, das mais antigas as mais modernas, observa-se à inexistência desse chefe prepotente, que, muitas vezes, o poder central temeu e respeitou, chefes que os tempos modernos não hão de dar mais guarida, para o bem de toda a comunidade. Deus queira. Amém.

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Publicado no Correio de Sergipe

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