Paulo Rebêlo 31 de dezembro de 2009


(
www.rebelo.org)

O melhor do Natal é que acaba logo e a gente já pode pensar onde vai acordar de ressaca, talvez após uma injeção de glicose, no primeiro dia do ano.
Quando os fogos aparecem no céu, geralmente já estou dormindo. Porque meu réveillon começa ao meio-dia. É injusto esperar por doze horas para começar a farra enquanto japoneses, australianos e tanta gente bacana já está comemorando a passagem de ano antes da gente.
Esse negócio de esperar um determinado horário para abrir a primeira garrafa sempre me intrigou.
É quase maquiavélico.
No entanto, nada é mais intrigante do que a cor da calcinha delas. Não a cor em si, mas a importância que tantas mulheres dão à cor da calcinha do réveillon.
Conheço mulheres burras e mulheres inteligentes, mulheres surtadas e mulheres equilibradas, mas poucos dias antes do réveillon todas elas se juntam feito zumbi na loja de lingerie e entram em discussões homéricas sobre a cor da calcinha para a “hora da virada”.
Ainda mais intrigante é o enorme contingente de mulheres de todas as idades que realmente levam a sério essa história toda.

Virar (o ano) de calcinha vermelha vai ajudar a trazer muita farra e putaria (as meigas preferem o termo ”grandes paixões”), calcinha amarela vai trazer dinheiro, calcinha rosa vai trazer amor, calcinha violeta é transformação, calcinha bege é para deixar tudo do jeito que está, calcinha preta é (além da banda de forró) um sinal de que a perseguida está fechada para balanço.
E a calcinha branca vai trazer paz, será? A pomba não dava conta do recado?
Quando vemos mulheres novas se preocupando com isso, a gente tolera, é paciente, respira fundo, deixamos passar. Bate uma certa nostalgia. A gente passa a mão na careca, coça a barba e suspira “ah, essa juventude não-transviada”, quão ingênuas são essas jovens mancebas.
O problema é quando você encontra com semi-balzaquianas ou que já passaram (e muito) dos trinta, rodeadas de amigas temporariamente retardadas numa loja da Marisa refletindo sobre o que ela quer para o próximo ano porque irá comprar a calcinha do réveillon de acordo com esse objetivo máximo-cabalístico.
As revistas femininas estão dizendo que 60 anos é “o novo 40″, então a conclusão cartesiana óbvia é que 30 anos deve ser “o novo 15″.
Já não basta usar cremes para rugas e fazer lipoaspiração para ter corpinho de adolescente, será que agora elas precisam se comportar como adolescentes para estar na moda?
Tanta gente preocupada com calcinhas, não sei, mas em vez de escolher a cor, devíamos todos pular nus dentro do mar, sem roupa alguma. Homens e mulheres.
Superstição por superstição, melhor se livrar de todas as cores, tecidos, revistas e seriados que estão fazendo com que nossas mulheres entrem em janeiro ainda sem aprender que nem todos os homens são fiéis e nem todas as crianças são felizes.
Talvez assim a gente comece um novo ano sem esperar que o amor da nossa vida vá cair do céu dentro do nosso quintal, que vamos viver uma tórrida paixão proibida em Paris ou ganhar na mega-sena sem nunca ter jogado um bilhete.
Obs: Imagem enviada pelo autor.
Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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