Neste domingo se realizam eleições em Honduras. Em princípio, eleições deveriam ser expressão tranqüila de democracia. Mas, desta vez, o conturbado ambiente político, criado com a deposição do presidente Zelaya, lança uma nuvem de suspeitas sobre a validade destas eleições presididas por um governo que não foi reconhecido por nenhum país do mundo, numa evidente demonstração da existência de irregularidades, em que pese a insistente afirmação dos atuais detentores do poder em Honduras, de que a deposição de Zelaya teria sido legítima e constitucional.
O fato é que a truculência usada para depor Zelaya, depõe contra os autores do complicado imbróglio que resultou no impasse de difícil digestão política, que envolve agora não só este pequeno país da América Central, mas todo o continente americano, que passou a se defrontar com o espantalho do retorno dos golpes de estado, que infelizmente marcaram, em passado recente, a história de nossos países.
Outro lado preocupante, que emerge desta situação confusa, é a indisfarçável inclinação dos Estados Unidos, em serem complacentes com os golpes da direita, enquanto se mostram arautos da democracia ao alertarem contra os alegados perigos da esquerda. Havia a esperança de que com Obama esta postura tivesse mudado, mas infelizmente o poderio dos velhos falcões americanos se mostrou de novo em plena forma, a ponto de exigir a tácita anuência do próprio Obama aos ditames de seus posicionamentos.
E assim, enquanto a OEA, por unanimidade, exigia o retorno de Zelaya para a retomada do processo democrático em Honduras, os Estados Unidos, por conta própria, passaram a colocar as eleições deste domingo como fachada de democracia para assimilar o golpe realizado. De modo que, com Obama ou sem Obama, “está tudo como dantes nas terras de Abrantes”.
Mas existe mais. A situação de Honduras pode servir de intróito para um longo e intenso período de efervescência política na América Latina, que nos aguarda nos próximos anos.
Acontece que estamos nos aproximando das celebrações do “bicentenário” da independência da maioria dos países latino americanos. Este período de celebrações já está por começar no próximo ano, em que alguns países vão iniciar a celebração dos 200 anos de sua independência frente à metrópole espanhola.
Este fato, somado ao aumento das tensões em diversos países, vai se constituir em caldo político que promete muitos desdobramentos. Vai ser colocada de novo a velha questão da soberania dos países da América Latina, frente a antigos ou novos centros de hegemonia. Será a oportunidade para confrontar o que foi feito dos ideais democráticos dos heróis de nossos processos de independência. E voltará com novas feições a generosa proposta de um relacionamento solidário entre os países da América Latina, marcados por episódios históricos que delinearam o seu destino comum. A utopia da “pátria grande”, envolvendo todos os países da América Latina, precisará se confrontar com as iniciativas práticas que possam abrir caminho para a concretização deste sonho, que ainda permanece distante da realidade.
O fato é este: duzentos anos depois das independências, a América Latina ainda não levou a bom termo o seu processo de soberania política e a afirmação de sua solidariedade continental.
Enquanto torcemos para que a pobre Honduras se livre do enrosco em que mergulhou, a América Latina inteira está nos convocando para seguir de perto os passos que a historia lhe aponta, e que precisam ser dados com sabedoria e discernimento.