Padre Beto 1 de dezembro de 2009


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Dois comerciantes ricos conversavam em uma tarde ensolarada. “Eu não suporto mais o meu vizinho!”, disse um deles. “Qual vizinho, o pobre sapateiro?” “Exatamente ele, o homem passa o dia inteirinho cantando! Eu não sei qual o motivo que o pobre coitado possui para ser tão feliz. Eu já tentei de tudo para fazê-lo parar de cantar, mas o homem sempre tem ânimo e disposição”. “Mas é muito simples fazê-lo cair no silêncio”, respondeu o amigo, “basta você dar a ele de presente alguns camelos! Tenho certeza que depois de alguns dias ele irá perder a voz”. Então o rico comerciante foi até o sapateiro e entregou-lhe alguns camelos. O sapateiro não se conteve de alegria. Nos dias seguintes ele cantava com mais disposição. Depois de uma semana, o canto do sapateiro começou a ficar mais fraco e mais baixo. Duas semanas se passaram e o homem não cantava com mais freqüência como antes. Na terceira semana, o sapateiro havia deixado finalmente de cantar. O comercia! nte ficou maravilhado, mas não conseguia entender a lógica da história e resolveu, então, fazer uma visita ao sapateiro. Ao entrar na sapataria, o comerciante foi logo perguntando como andava a vida do “amigo”. “Está tudo bem”, respondeu o sapateiro sem muito entusiasmo, “os camelos estão sadios e algumas fêmeas já vão dar cria. Mas eu tenho que tomar muito cuidado, pois me disseram que um famoso bando de ladrões anda pela região, além do mais fala-se também que uma peste de camelos está tomando a cidade vizinha, sem falar que os impostos sobre os camelos poderão…”
Sem dúvida alguma, ninguém vive totalmente em um paraíso. Como o bem, o mal pertence à vida humana. Podemos chamar de mal a todo fenômeno que prejudica o prazer de viver. Assim, existe o mal físico (doenças, catástrofes…), o mal ético, ou seja, aquele provocado pela própria consciência e ação humana e o mal social, que podemos também chamar de estrutural, pois advém de uma ordem política, econômica ou social vigente. O mal nunca pode ser analisado unilateralmente, pois ele não é fruto simplesmente de uma lei natural, não é somente a manifestação da vontade humana e muito menos se manifesta exclusivamente como conseqüência de uma estrutura social. O mal pode ser uma ação consciente ou inconsciente, totalmente racional ou fruto das emoções. Seja ele qual for, o mal sempre se forma através da soma de diversos fatores. Outra característica do mal é ser um fenômeno social, sempre afetando pessoas em seu coletivo. Se um indivíduo é vítima ! ou autor de algo ruim, outras pessoas acabam sofrendo também com seus efeitos colaterais. Sendo o mal tudo aquilo que prejudica (Santo Agostinho), torna-se legítimo para qualquer pessoa humana evitá-lo, a não ser que o mal seja aceito como um caminho para alcançar um bem maior. Nas religiões, o mal é sempre apresentado de forma simbólica, mítica ou ritualística sendo que, na maioria das vezes, ele é visto como obstáculo para a salvação. Prejudicial aqui é quando o mal é personificado em uma entidade sobrenatural, como por exemplo, no demônio. Desta forma, jogamos toda a responsabilidade em um ser imaginário e não enfrentamos as verdadeiras origens do mal.
Aristóteles escreve em sua “Ética a Nicômaco” que o homem prudente luta para libertar-se do sofrimento, não do prazer. Porém, muitas vezes, para se alcançar a satisfação, não basta evitar o sofrimento, mas se faz necessário reconhecê-lo como uma etapa natural e inevitável no processo de conquistar algum bem. Não há escapatória: dificuldades, sofrimentos e males pertencem à vida. Porém, o que torna a vida satisfatória é a maneira de encarar o mal. Todo o sofrimento é, na verdade, um sintoma, um indício de que algo não está bem. Reverter ou não este prognóstico depende do grau de sagacidade e de determinação daquele que sofre. Montaigne afirmava que a arte de viver está em fazer bom uso de nossas adversidades, ou seja, nós devemos não somente aprender a suportar tudo aquilo que não podemos evitar, mas saber tirar das adversidades algum proveito. Nossa vida compõe-se, como uma música, de dissonâncias e de diferentes tons, maviosos ou estrid! entes, sustenidos e bemóis, suaves e grandiosos. O músico precisa saber como usar e combinar todas as variedades de tons. O desafio de cada ser humano é interagir ativamente tanto com o bem como com o mal, pois são eles que formam a essência da vida. O importante é não deixar de entoar o seu canto. Para Nietzsche, se fôssemos terrenos férteis não permitiríamos que nada se tornasse inútil e veríamos em cada acontecimento, em cada coisa e em cada ser humano um adubo bem-vindo.
Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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