www.padrebeto.com.br


Um padre recém ordenado deveria realizar sua primeira homilia em uma paróquia rural. No domingo determinado lá estava o jovem padre para celebrar a missa, porém, somente uma pessoa havia comparecido à igreja, um boiadeiro. O padre, então, ficou em dúvida se ele deveria realizar a missa com ou sem a homilia e resolveu perguntar ao homem. O boiadeiro, depois de refletir alguns minutos, disse: “Bom, se eu chegasse para alimentar as vacas e somente uma vaca tivesse vindo ao cocho, eu seria louco se não desse feno para esta vaca só porque as outras não vieram!” Entendendo a mensagem, o jovem padre agradeceu ao boiadeiro e celebrou a missa com homilia. Porém, graças ao seu entusiasmo, somente a homilia acabou durando uma hora inteira. No final da missa, o jovem padre, com uma grande curiosidade, quis saber a opinião do boiadeiro sobre sua homilia. O boiadeiro coçou a cabeça e respondeu: “Bom padre, eu não entendo muito de homilias, eu sou apenas um boiadeiro. Mas se eu fosse alimentar as vacas e somente uma vaca tivesse vindo ao cocho, eu seria louco se desse para uma só vaca todo o feno de uma boiada!”
À medida que vamos vivendo, nós, seres humanos, nos adaptamos a uma determinada normalidade. Aprendemos não somente como a maioria em nossa sociedade se comporta, mas também assimilamos a sua visão sobre a realidade. Assim, nos tornamos seres sociais que obedecem as regras do jogo e pertencem ao “senso comum”. Esta forma de inculturação ou adaptação à família, ao grupo ou à sociedade contribui, porém, para adquirirmos uma espécie de miopia, uma estreiteza de visão. Ao vivermos na normalidade perdemos a prática da análise crítica; na procura de nos adaptarmos à maioria acabamos por perder o “bom senso”, na necessidade de nos “encaixarmos” no nosso contexto social, nos alienamos da realidade. “Qualquer um pode zangar-se – isto é fácil. Mas zangar-se com a pessoa certa, na medida certa, na hora certa, pelo motivo certo e da maneira certa – não é nada fácil” (Aristóteles). O hábito da análise crítica sobre nossa própria pessoa, sobre os outros e sobre a sociedade nos liberta do efeito narcótico da normalidade e nos faz enxergar as diversas “portas” que podem nos levar a conhecer melhor nossa realidade. A “miopia do normal” nos cria o medo de abrir “portas” e assim perdemos a chance de entrar em uma nova “sala”, nos reduzimos a observadores da vida. Através da análise crítica descobrimos que portas são oportunidades e compreendemos que se vencermos o medo e entrarmos, damos um grande passo: passamos a viver! Como afirma Içami Tiba, o grande segredo é saber quando e qual porta deve ser aberta. A vida, porém, não é tão rigorosa como normalmente se fala; ela propicia erros e acertos. A segurança do acerto eterno é uma ilusão e os erros podem ser transformados em acertos quando com eles se aprende. A vida é generosa pois enriquece quem se arrisca a abrir novas portas. Ela privilegia quem descobre seus segredos e generosamente oferece afortunadas oportunidades. Mas, a vida pode se tornar também como água parada que, com o tempo, apodrece e cheia mal. Se não temos coragem de ultrapassar portas, teremos sempre a mesma porta pela frente. No lugar de criação temos repetição, no lugar da multiplicidade de cores fazemos uma monotonia monocromática, a vida perde sua dinâmica e cai na estagnação. Na vida, “portas” não são obstáculos, mas grandes chances de se vivenciar passagens, de continuar a viagem. Porém, para se perceber o significado das portas é necessário localizar-se, conhecer seu contexto e perceber as diversas portas pelas quais nós já passamos, em outras palavras, é necessário libertar-se do senso comum sobre pessoas e o mundo.
Sem dúvida alguma sair da normalidade não é tarefa fácil. Para o sociólogo e pensador francês Edgar Morin a realidade não é feita só de imediato. A realidade não é legível de maneira evidente nos fatos. Idéias e teorias não refletem, e sim traduzem a realidade, de um modo que pode ser errôneo. Nossa realidade não é senão nossa idéia da realidade. A realidade depende, também, da aposta. O que chamamos de verdade é a nossa construção da realidade e muitas vezes ela possui mesmo pouca objetividade. Por isso se faz necessário sempre o exercício da auto-crítica e de abertura para nós mesmos, para o outro e para a sociedade em que vivemos. “O importante é não parar de questionar. A curiosidade tem sua própria razão para existir. Uma pessoa não pode deixar de se sentir reverente ao contemplar os mistérios da eternidade, da vida, da maravilhosa estrutura da realidade. Basta que a pessoa tente apenas compreender um pouco mais desse mistério a cada dia. Nunca perca uma sagrada curiosidade” (Albert Einstein).
Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


busca
autores

Autores

biblioteca

Biblioteca

Entrelaços do Coração é uma revista online e sem fins lucrativos compartilhada por diversos autores. Neste espaço, você encontra várias vertentes da literatura: atualidades, crônicas, reportagens, contos, poesias, fotografias, entre outros. Não há linha específica a ser seguida, pois acreditamos que a unidade do SER é buscada na multiplicidade de ideias, sonhos, projetos. Cada autor assume inteira responsabilidade sobre o conteúdo, não representando necessariamente a linha editorial dos demais.
Poemas Silenciosos

Flickr do (Entre)laços
[slickr-flickr type=slideshow]