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Lembro dele instalado perto da porta da sala: formal, de madeira escura, com cabides de prata, espelho de cristal, onde as pessoas se conferiam quando entravam.
Fui uma criança mal informada. Nunca me diziam nada. Mas ele, o porta-chapéus, dava-me informações muito importantes. Avisava da presença de certas presenças e, assim prevenida, eu me preparava para enfrentá-las.
Ao voltar da escola, ele avisava: o pai está em casa. O chapéu Ramenzoni cinza, abas largas, com uma discreta faixa escura, era a presença do medo, medo que acordava a minha falsidade deixando-me bem comportada, fingida, para iludir o pai.
À tardinha, ao voltar do catecismo, notícia boa: “O tio chegou”. O chapéu-coco se equilibrava na alça de baixo, no lugar de sempre e meu tio, sentado no sofá me esperava. Era a presença da minha verdade, da minha alegria. Então eu me tornava eu, sem máscara, sem medo do chapéu Ramenzoni.
O que mais me agradava, na presença do chapéu coco, era a bengala que o acompanhava. Tinha cara de lobo, dentes afiados que não me assustavam, era a companheira do tio. Com ela eu brincava de cavalinho, dava pancadas nas costas do gato preto que vivia enroscado embaixo do porta-chapéus e que protestava dando miados histéricos. Eu penso que ele achava era bom, pois todo o dia estava lá.
O espelho me fascinava. Além do rosto das pessoas, refletia o sol e iluminava a sala. Muito pequena, eu não podia me ver como os outros faziam. Meu tio me ajudava, colocava-me nos braços e eu sorria triunfante com o sorriso furado dos meus sete anos.
Um dia, ao voltar da escola, vi pendurado em um dos ganchos o chapéu de palhinha branca, com detalhes pretos, que só aparecia em dias muito ruins: quando tive sarampo, quando minha irmã morreu, quando a avó quebrou a perna.
Sobre o sofá a bengala e o chapéu-coco.
A partir daquele dia, fiquei de mal com o porta-chapéus. Agora, só me dava notícias do chapéu Ramenzoni.
Obs: Texto retirado do livro da autora – O Olho do Girassol –