Ao vermos, diariamente, a guerra urbana travada nas grandes cidades brasileiras pelo tráfico de drogas, não podemos nos omitir diante de uma questão real, para a qual a sociedade não quer atentar e as autoridades não a querem aprofundar, preferindo o temerário caminho da complacência que exclui o usuário de drogas da responsabilidade, juntamente com o traficante, pela mazelas sociais impingidas pelo tráfico e seus parceiros, os usuários, os quais de forma consciente, ou inconsciente são os destinatários desse hediondo comércio.
Destarte, não é necessário um grande esforço mental para se chegar a essa trágica conclusão: Só existe a droga porque existe o consumidor. É a lógica elementar e perversa desse comércio abominável e destruidor de vidas, de comunidades e da paz social. Assim, diante dessa insofismável evidência, torna-se incompreensível a dificuldade demonstrada pela sociedade e pelos orgãos públicos em admitir esta realidade e em aceitá-la, como ponto de partida para o trabalho de prevenção mas, também de repressão, abrangendo os consumidores, mediante campanhas educativas, enquadramento legal e co-responsabilidade penal pelo consumo de mercadoria proibida e por favorecer a realização de comércio ilícito, gerador do que se caracteriza como crime hediondo, com todas as dolorosas repercussões sociais e econômicas para a sociedade e para o país.
Nesse sentido, torna-se preocupante a constatação de que os próprios moradores das áreas onde se instala o comércio varejista das drogas pesadas, também demonstram uma certa conivência com o tráfico, haja vista que, durante os frequentes e violentos confontos entre traficantes e policiais especializados no combate ao tráfico de drogas, a população das áreas atingidas deixa transparecer que as balas certeiras ou perdidas, partem sempre dos policiais e não dos traficantes, responsabilizando o aparato policial pesado e necessário ao enfrentamento do tráfico de drogas, como principal causador da violência, e não os próprios tráficantes, possuidores de um arsenal bélico que tem contribuído para manter o estado de guerrilha urbana nas grandes cidades brasileiras.
Soma-se a isso, a precariedade do sistema carcerário que não consegue coibir, a corrupção de agentes públicos, responsáveis pela segurança dos presídios. Assim, agindo à custa de gordas propinas e suborno, esses agentes facilitam a entrada de celulares, armas e drogas para o interior das penitenciárias, proporcionando aos traficantes presos, comandarem as rebeliões internas e as violentas ações externas, ordenadas de dentro das prisões e executadas pelas quadrilhas a serviço do tráfico. Daí, resultam roubos, assaltos a bancos e até a quartéis do exército, sequestros e extermínio de pessoas, entre outros crimes. Tudo sob intensa violência, a fim de garantir o nefasto comércio, controlado pelas diversas facções que comandam o tráfico de drogas no Brasil.
Ademais, é sabido que, atualmente, o tráfico de drogas tornou-se uma organização internacional, possuindo muitos cartéis espalhados por quase todos os países capitalistas ocidentais, tendo como depositários dos bilhões originários da atividade criminosa, grandes bancos europeus, de onde retornam depois de transformados os depósitos sujos em finanças limpas, preservadas no sistema capitalista. Trata-se de uma intrincada e sofisticada rede de âmbito internacional, cujas ramificações se entrelaçam com o comércio ilegal de armas, o qual alimenta o terrorismo de esquerda e de direita; com o comércio de seres e de órgãos humanos; com a prostituição infantil e a pedofilia. Enfim, com todas as atividades criminosas que contaminam as estruturas sociais e econômicas e destroem a vida e a paz. Sem exagero, o tráfico de drogas pode ser comparado à bestafera, figura maligna do Apocalipse, popularmete interpretada como a encarnação do mal.
Aliás, o próprio Presidente Lula, reconhece publicamente o problema social, político e econômico, provocado pelo tráfico de drogas no Brasil, bem como a dificuldade na erradicação dos focos de conflito e no enfrentamento aos traficantes e às suas bases de comércio e de disseminação das drogas pesadas, principalmente entre os jovens. Entretanto, há que se encontrar uma forma eficaz de combater o tráfico de drogas, pois a população, em geral e, especialmente, as diretamente atingidas pelos horrores dos confrontos não podem viver sob o fogo cruzado das balas certeiras e perdidas. O Estado a quem compete a responsabilidade pela segurança da população, não pode se omitir, perante as dificuldades de assegurá-la a todos.
Daí porque, sem minimizar o valor e a necessidade da prevenção educativa como luta contra o tráfico, há que se travar, também uma luta cujos resultados possam ser imediatos, a fim de preservar agora, no dia a dia, a vida das pessoas, visto que, o trabalho educativo de prevenção contra as drogas é dirigido especialmente às novas gerações e se for eficaz, poderá atingir a raíz do problema, mas não evita a morte e o desespero que acontecem agora, no presente, por causa do famigerado tráfico de drogas.
Assim, sem pretender apontar uma solução salvadora da pátria, acho que os governantes, juristas, sociólogos, médicos, religiosos, psicólogos, educadores e os representantes da sociedade em geral deveriam analisar o problema das drogas sem preconceito, com base na premissa real de que o usuário de drogas é co-responsável pelo tráfico e indiretamente, por todos os males decorrentes de sua participação pessoal no comércio hediondo das drogas.
Para isso caberia a todos aqueles segmentos procurar um caminho viável e menos conflituoso para a solução deste imenso problema, e ao admití-lo como problema social, assim enfrentá-lo, submetendo-o a uma formulação jurídica específica que fundamente a tese do enquadramento e da co-responsabilidade do usuário, juntamente com o traficante, no tráfico de drogas e as consequentes implicações penais daí advindas, na proporção devida a cada um.
Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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