Djanira Silva 7 de outubro de 2009


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Levantou-se pela manhã, cheia de preguiça. Era uma sensação tão grande de desânimo que chegava até a doer. Não era certamente preguiça, ela o sabia, era falta mesmo de vontade para enfrentar o dia-a-dia, para viver as mesmas coisas, os mesmos aborrecimentos, as mesmas chatices de todas as horas. Entrou no banheiro. Viu seu rosto refletido no espelho.
Era ainda bonita. A pele sem rugas, viçosa, sedosa. De repente lembrou – estava sem os óculos. Quanta diferença quando os colocava.
Naquele momento espalhou-se pelo seu rosto um sorriso de zombaria. Ainda diante do espelho a mulher continuava olhando seu rosto refletido. Será que alguém poderia acreditar naquilo que ela fora? Certamente, não.
Os filhos já começavam a referir-se a ela como – a velha isto, a velha aquilo.
Deixou tudo para lá. O importante, mesmo, seria aceitar envelhecer com tranqüilidade e sem revolta. Adiantaria relutar?
Saiu do banheiro. Sentou-se à mesa para o café. Sozinha. Os filhos haviam saído. Uns trabalhando outros ainda estudando. Apenas a empregada ali por perto rondando em busca do que fazer.
Não tinha com quem conversar. Mas, conversar o que?
Colocou um pouco de leite na xícara. Continuava pensando. Lembrou de sua mãe. Via os mesmos problemas serem repetidos diariamente. Segundo o eclesiastes nada há de novo sob o sol. Nada de novo. Novas apenas as emoções de cada um. Dentro de cada criatura os problemas são diferentes. Apresentam-se sempre com um aspecto novo. O que tem solução para uns, não tem para outros, o que é difícil para uns não o é para outros. De novo apenas, um dia a menos, uma ruga a mais.
Seu pensamento continuava vagabundeando, pelo presente, e, principalmente pelo passado. Sentada à mesa olhava o fundo do quintal. Deitou na rede. Viu lá no fundo a velha garagem cheia de velhos cacarecos amontoados ainda do tempo em que seu marido era vivo. Sentiu saudade dele, da sua calma, de sua maneira de ser, da coerência com que resolvia seus problemas. Sentiu saudade até de sua mania de juntar tudo quanto se jogava tudo fora: pedaços de madeira, latas vazias, frascos secos, parafusos, tudo quanto ainda pudesse ainda pudesse ser aproveitado, pois, segundo ele costumava dizer, poderiam um dia servir para alguma coisa. E, na verdade, às vezes bem que serviam. Um remendo feito com pedaços de madeira, uma muda de planta que se colocava nas latas, um resto de gasolina ou querosene que se guardava nos vidros vazios e outras tantas coisas mais.
Numa tarde domingo vira os filhos, numa brincadeira quase infantil, meterem a mão naquela trecagem toda e, fazendo um fogo, começar a queimar tudo quanto parecia inútil. Na fumaça que se espalhava por toda a casa era como se suas lembranças, suas saudades, fossem também sendo queimadas e aos poucos se diluindo pela rua, levando para um mundo estranho sua contribuição para uma história que certamente ninguém haveria de escrever.
Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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